Publicado originalmente no jornal Hoje em Dia, edição de 17/06/2012
Patrus Ananias
Foi noticiado recentemente que a comissão de juristas encarregada de elaborar as propostas de reforma do Código Penal excluiu a corrupção do rol dos crimes hediondos. Nos termos da nossa Constituição, os crimes hediondos são inafiançáveis, imprescritíveis e insuscetíveis de graça ou de anistia. Entre eles, estão a tortura e o terrorismo.
Sabemos que para precisar o crime de corrupção é necessário lucidez e discernimento. Muitas vezes, coloca-se no campo das práticas lesivas ao patrimônio público erros de avaliação ou mesmo questões relativas à interpretação da lei. O administrador público, muitas vezes, tem de fazer opções difíceis. Pode ocorrer, por exemplo, que a compra de medicamentos para os hospitais e postos de saúde esbarre em processos administrativos burocráticos ou judiciais. E, às vezes, para salvar vidas, o gestor público, agindo da forma mais criteriosa e transparente, pode ter de transcender certas exigências dos processos licitatórios e assegurar a plena assistência médica à população.
Há também que se distinguir a incompetência e até mesmo o mau uso do dinheiro e dos bens públicos, em termos de prioridades e eficácia. Sempre condenáveis, são casos de inadimplência e erros administrativos, mas que não implicam enriquecimento ilícito e favorecimento a familiares e terceiros. São casos em que os gestores devem ser responsabilizados até o limite da criminalização, mas seguramente não podem ser configurados como crime hediondo. Este ocorre no assalto direto, ainda que dissimulado, ao patrimônio do povo sob a guarda e responsabilidade do Estado para benefício dos que exercem mandatos e cargos públicos, seus familiares, amigos, grupos e interesses econômicos.
É um crime da maior gravidade. Primeiro, por ser cometido exatamente por aqueles que foram eleitos ou prestaram concursos públicos com o compromisso de zelar e defender o interesse coletivo. Segundo, trata-se de um crime calculado, pensado, objeto muitas vezes de refinadas estratégias. Terceiro, estamos diante de um crime continuado, que se prolonga no tempo, às vezes anos, décadas. Quarto, o dinheiro subtraído pertence à coletividade, destina-se a promover os investimentos e as obras necessárias ao desenvolvimento econômico, social e ambiental, à segurança e ao bem estar das pessoas, famílias e comunidades. Quinto, dissemina um sentimento de descrença na sociedade com relação à política. E os políticos honestos comprometidos com a causa ética, popular e democrática não podem aceitar essa suspeição generalizada que, no limite, atinge o próprio Estado e o sentimento de pátria e nacionalidade.
Por tudo isso, corrupção é crime de lesa pátria! É crime hediondo, sim senhor!
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