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Publicado originalmente no jornal Hoje em Dia, em 24/06/2012

Patrus Ananias

O Brasil recordou há poucos dias os 50 anos da conquista do bicampeonato mundial de futebol no Chile. Aos dez anos de idade, acompanhei atentamente aquela copa pela Rádio Nacional do Rio de Janeiro, na narração vibrante de Jorge Cury e nos comentários técnicos e precisos de João Saldanha.

Lembro-me da convocação dos jogadores. O time titular foi basicamente o de 1958. Como muitos brasileiros, devo muito a essas seleções, especialmente Pelé e Garrincha. Eu tinha certeza de que um time com esses dois jogadores e outros nove bons era imbatível. Anos depois, lendo a biografia de Garrincha, A Estrela Solitária, escrita por Ruy Castro, a minha intuição se confirmou.

Estreamos na Copa ganhando do México por 2X0. Pelé fez uma grande partida. No jogo seguinte, contra a Tcheco-Eslováquia, vivemos um drama. Pelé sofreu uma grave contusão e ficou parado em campo. O lance em que Pelé sofreu sozinho o estiramento na perna foi de uma sofrida beleza. Antes de encostar em nosso craque, o zagueiro tcheco percebeu o drama quando viu que de repente Pelé parou e pôs a mão na coxa. Ele também parou e o mundo compreendeu a elegância e solidariedade do gesto. Ficamos em um sofrido 0X0. Pelé não voltou a jogar na Copa.

Foi então que Garrincha mostrou a extensão do seu talento e genialidade. O jogo com a Espanha foi dramático. Perdíamos por 1X0. O placar e o tempo jogavam contra nós. Mas Garrincha enlouquecia o time espanhol e foi fundamental na virada: 2X1. O primeiro gol de Amarildo, bem servido pelo Mané. O segundo foi uma maravilha: Garrincha driblava, driblava, escondia a bola e com a mão fazia gestos para que alguém se apresentasse. Amarildo apareceu e a bola foi certinha, na justa medida para que ele marcasse de cabeça, apenas prestando à bola a devida deferência.

Contra a Inglaterra (3X1) e contra o Chile (4X2), Garrincha foi à loucura. Jogou por ele e pelo Pelé, nas duas posições. Fez gol de cabeça, fez gol com a perna esquerda (que não era a melhor), fez gol cobrando falta. Foi expulso no jogo contra o Chile. Cansado de levar pancadas e jogadas desleais, Garrincha cometeu uma falta singular: chutou o traseiro do chileno. Na saída de campo recebeu uma pedrada na cabeça. Na partida final, novamente contra os tchecos, jogou com febre. Mesmo assim, marcou presença, chamou uma marcação forte e liberou espaços para os companheiros se movimentarem mais à vontade. Brasil 3X1.

Garrincha, que o jornalista e escritor Mário Filho chamou de “o Gandhi do futebol”, é um grande herói do povo brasileiro. Guardamos dele os dribles, os cruzamentos, os gols e o sorriso, o leve, discreto, enternecido sorriso que expressa o melhor dos sentimentos de nossa gente.