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Publicado originalmente no jornal Hoje em Dia, em 22/04/2012

Patrus Ananias

O ensaísta e historiador J. O. de Meira Penna afirma em seu livro Em berço esplêndido: “somos indiscutivelmente um povo dotado de considerável e ‘elogiável’ capacidade de autocrítica. Uma grande virtude! Autocrítica às vezes com forte dose de humorismo…” Chesterton, o notável escritor inglês, dizia que o vício é uma virtude enlouquecida. O risco, então, é transformarmos a referida qualidade em grave defeito e decairmos da autocrítica para a perda da autoestima e do sentimento de dignidade nacional.

Ocorrem-me essas reflexões em face das comemorações do 21 de abril ocorridas ontem. Alguns historiadores brasileiros insistem em desmerecer ou mesmo desqualificar a figura de Tiradentes, o maior herói da nossa história. Boris Fausto, um de nossos melhores historiadores, tem uma visão crítica da Inconfidência por considerá-la conservadora e elitista. Ressalva, todavia, o grande alferes. “José Joaquim da Silva Xavier constituía, em parte, uma exceção”. Fausto, ainda que trabalhando a mitificação simbólica do herói, no limite faz justiça e reconhece a grandeza de Tiradentes que, segundo ele, “assumiu toda responsabilidade pela conspiração a partir de certo momento do processo”.

Tiradentes foi a alma da Inconfidência. O historiador mineiro João Camilo de Oliveira Torres, nem sempre simpático a ele, reconhece-lhe esse mérito: “fazia a propaganda por toda parte. Usando inclusive processos modernos (…). Criava por onde chegava um clima de vitória, dando a cada qual a esperança de dias melhores e solução de seus respectivos problemas”.

Mas foi sobretudo no cárcere, diante da tortura, que o alferes Tiradentes ganhou as dimensões de sua personalidade superior e histórica. Não pediu perdão pelos seus atos e sonhos de liberdade. Assumiu-os plenamente. Não entregou os companheiros da grande aventura. Não delatou ninguém. Reafirmou seu compromisso com a causa que abraçara. Foi o único dos inconfidentes condenado à morte. O que os algozes fizeram do seu corpo e com seus descendentes é uma prova irrefutável do ódio que lhe devotavam. Esse ódio não era gratuito. Sabemos hoje como cresce o ódio dos torturadores quando confrontam uma pessoa que não faz a “confissão” imposta e mentirosa que eles querem.

Fez como Giordano Bruno que na hora extrema fez a confissão da verdade, numa ousadia que lhe custou a vida na fogueira. Tiradentes não pediu a reforma do poder como Giordano Bruno. Queria o fim da dominação do colonialismo. Assim, confrontou diretamente o poder. Perdeu por um breve período histórico. Ganhou no tempo e na história e traduz, junto com seu contemporâneo Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, o vigoroso caráter heroico do povo brasileiro, que prossegue na sua caminhada em busca de melhores dias.