Na terça, dia 11 de agosto, tive a honra de participar da abertura do Congresso Nacional de Residência Agrária, em Brasília. O encontro reúne universidades, movimentos sociais, assentados da reforma agrária e técnicos de Ater (Assistência Técnica e Extensão Rural), além dos alunos, claro, para debater a produção de conhecimento no campo. Há, ainda, graduados em cursos superiores que tenham feito estágio, pesquisa ou extensão em assentamentos.
Os cursos são promovidos em parceria pelo Incra, pelo CNPq e pelo MDA.
Confesso que foi uma surpresa para mim. Eu fui até o Congresso pensando que era uma coisa menor, uma coisa mais restrita. E não algo daquela dimensão, muito bonita, e também muito celebradora e anunciadora. Logo no começo, antes das falas, chamou minha atenção o entusiasmo com que alunos e professores entoavam refrões, interpretavam canções e encenavam esquetes. Registrei um dos gritos que motivavam todos para o encontro que duraria cinco dias: “Se o campo não planta, a cidade não janta”.
Registrei um dos gritos
que motivavam todos
para o encontroà pobreza dias:
“Se o campo não planta, a cidade não janta”.
Ouvi todos que me antecederam com muito interesse, mas a educanda Adriana Fernandes de Sousa, da UnB, a Universidade de Brasília, disse algo que reforçou meu compromisso com a educação no campo: “Em qual curso nas universidades estudaríamos agroecologia?”. Adriana não respondeu à própria pergunta. Não precisava. Todos ali sabiam que a residência agrária tem entre seus fundamentos promover a alimentação saudável.
Educação, direito fundamental
Um país, uma pátria que acolhe todos os seus filhos e filhas pressupõe o conhecimento, pressupõe educação. E a educação tem uma característica muito própria, pois ao mesmo tempo que é um direito fundamental, é um bem da comunidade. Não podemos pensar na construção de um processo emancipatório, na construção de um país soberano, economicamente forte, socialmente justo, saudável do ponto vista ambiental sem educação.
Não podemos pensar no processo de desenvolvimento sem essa base fundamental que é a educação integral, integrada e sustentável de um país. E aqui falo de desenvolvimento político, da consolidação da democracia, da política como serviço, da ética na política, do desenvolvimento econômico, social, ambiental, cultural. O desenvolvimento também no campo dos valores. Eu ouso dizer: do desenvolvimento ético e espiritual, da dimensão interior de cada indivíduo.
Não podemos pensar no
processo de desenvolvimento
sem essa base fundamental que é a
educação integral, integrada e sustentável de um país.
Combate à pobreza
Outro preceito importante que apregoo como professor que sou – desde 1979, leciono Direito na PUC-MG – é o combate à pobreza. Não existe educação sem combate à pobreza. Criança não aprende sem saúde, sem alimentação, sem ter comida. E saúde pressupõe o direito humano por alimentação adequada, com regularidade, quantidade, qualidade. Pressupõe água potável, saneamento básico, moradia digna.
Há também interligação, uma complementaridade entre os direitos, especialmente no campo dos direitos sociais, econômicos e culturais. Direitos esses que efetivamente promovem o desenvolvimento das famílias, dos grupos, das classes sociais, das comunidades.
Criança não aprende sem saúde,
sem alimentação, sem ter comida.
Alimentação saudável
Igualmente para enfrentar os grandes desafios que temos hoje é preciso educação. Por exemplo, como já citei antes, é preciso agroecologia. Precisamos produzir alimentos que gerem saúde e vida para as pessoas, e não alimentos envenenados que produzem a doença, a morte das pessoas. Temos que discutir com a sociedade como produzir em quantidade e também com qualidade para garantir a sustentabilidade das famílias e a segurança alimentar e nutricional do provo brasileiro. E isto é tarefa para pesquisa.
Educação pressupõe ainda compromissos cívicos, quer dizer, compromisso com o estado democrático de direito, com a construção efetiva dos deveres e direitos da cidadania.
Reformas agrária, urbana e tributária
Por tudo isso é preciso envolver a sociedade nesse debate. A sociedade que pensa ajuda o sistema escolar. Então, temos que incentivar a reflexão na nossa sociedade e promover o encontro dela com a escola.
Claro, diante de uma plateia qualificada como aquela, não deixei de repetir meu mantra: reforma agrária. Com o respaldo da presidente Dilma Rousseff vamos mobilizar todos nossos esforços para assentarmos, até 2018, quando acaba o mandado presidencial, conforme decidiram as urnas em 2014, todas as famílias acampadas no Brasil. Esse compromisso, do Ministério do Desenvolvimento Agrário, do Incra, do Governo Federal, faz parte da nossa história. E vamos fazê-la mesmo contra aqueles que acham que esse é um assunto superado, atrasado. A reforma agrária é nosso desejo, nossa vontade, e está em sintonia com as diretrizes estabelecidas pela presidenta da República.
Agora, para assentar as milhares de famílias de agricultoras e agricultores espalhados pelos rincões deste país nós temos uma trava: colocar em prática a função social da terra, da propriedade e das riquezas, como claramente estabelecido em nossa Constituição cidadã, promulgada em 5 de outubro de 1988. É preciso que deixem de ser letra morta de nossa Carta Magna as reformas agrária, urbana e tributária. As três reformas estão interligadas por que incidem sobre a propriedade e a riqueza.
Para que ganhem vida as reformas, é preciso estabelecer impostos que penalizem aqueles que podem pagar mais, dentro de uma lógica que eu apliquei lá em Belo Horizonte, quando fui prefeito da capital dos mineiros. Hoje, o que acontece nas cidades é uma perversidade, onde a especulação imobiliária se sobrepõe ao direito à moradia. Temos que mudar isto.
Papa Francisco
É hora, portanto, de dar um passo à frente e, escudados nas grandes conquistas, buscarmos novos grandes avanços. E o direito à terra, lembremos, remonta às tradições cristãs. Assim, não podemos submeter os interesses coletivos aos de um proprietário, como foi um caso de um fazendeiro que eu conheci lá em Minas Gerais. Depois que ele interrompeu um curso d’água prejudicando vizinhos pobres nas circunvizinhanças, fui até ele como advogado dos pequenos proprietários. Ele me disse sem rodeios: “Doutor, o rio passa nas minhas terras, portanto, a água é minha”.
Ora, a propriedade não é um direito absoluto. Ele deve estar subordinado às exigências superiores do direito à vida, do bem comum, da dignidade humana, do interesse coletivo.
Mas, como um professor não é formado para levar desalento aos seus alunos, lembro que, agora, conseguimos um aliado importantíssimo: o Papa Francisco. Em sua última encíclica – Laudato Si (Louvado Seja) -, Francisco escreveu tudo isto que eu disse aos alunos da Residência Agrária, só que de forma mais radical e mais jeitosa. Segundo ensinou, determinados bens transcendem os direitos individuais e são bens coletivos, bens socais.
Segundo ensinou o Papa Francisco,
determinados bens transcendem
os direitos individuais e são bens coletivos, bens socais.
Estamos muito bem acompanhados em nossa grande empreitada.