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No contexto das grandes manifestações que mobilizaram a consciência cívica nacional, emergiu como ponta de lança a questão gravíssima do transporte coletivo nas cidades maiores e regiões metropolitanas.

Estará sempre presente na minha memória e no meu coração o depoimento de uma senhora trabalhadora que encontrei na campanha político-eleitoral de 2012. Residente em Venda Nova, utiliza duas linhas de ônibus para ir e voltar do trabalho. Disse-me ela que fica, em média, quatro horas por dia dentro dos ônibus e nos pontos de espera. Assim como ela, são milhares, milhões de pessoas. O tempo despendido, mesmo para os que usam o próprio carro ou andam de taxi, é cada vez maior.

O problema do transporte, além de algumas especificidades próprias do setor, como, por exemplo, a relação do poder público com as empresas concessionárias, está inserido no desafio maior da mobilidade urbana, que, por sua vez, nos remete ao desafio da reforma urbana.

O Brasil conseguiu a façanha inédita, entre os povos econômica e socialmente mais desenvolvidos, de atravessar os séculos XIX e XX, e estamos indo pelo século XXI adentro, sem realizar a reforma agrária. Enquanto a Lei de Terras nos Estados Unidos – onde se pratica o capitalismo mais desenfreado! – estimulava a pequena e média propriedades, a nossa lei, na mesma época estimulava a concentração da terra e penalizava os pequenos posseiros.

Não fizemos a reforma agrária que José Bonifácio, no início do século XIX, e Joaquim Nabuco, mais para o final do século, defenderam, vinculando-a à abolição da escravatura.
A questão agrária e a questão urbana têm uma referência comum: o direito de propriedade, que, no Brasil, continua sendo absoluto, intocável, acima de todos os demais direitos, inclusive, o direito à vida. O direito de propriedade e, especialmente, o direito à propriedade, constitui uma conquista civilizatória e fator de desenvolvimento dos povos. Não se questiona a sua validade e importância. O que se discute são os limites desse direito, considerando as exigências superiores do direito à vida, do bem comum, da justiça social e do equilíbrio do meio-ambiente.

Estamos diante de um tema que tem profundas raízes históricas: o princípio da função social da propriedade. O equilíbrio entre o direito à propriedade e sua função social é assunto que vem mobilizando inteligências e corações ao longo do tempo. Mas foi, a meu ver, a tradição cristã que melhor elaborou o tema a partir de uma concepção religiosa profundamente encarnada na vida: “Deus destinou os bens da terra a todos os homens” (acrescentaríamos hoje também às mulheres). São Tomás de Aquino, na Idade Média, aprofundou e ampliou essas reflexões à luz de outros conceitos como justiça e bem comum.

É inadmissível hoje, com os gravíssimos problemas que enfrentamos nas cidades, o direito sobre propriedades urbanas para fins meramente especulativos. Os terrenos se valorizam com investimentos públicos e os ganhos são totalmente privatizados.

Inadmissível também, à luz do princípio da função social da propriedade que se estende aos limites éticos do lucro, que as empresas de transporte coletivo tenham lucros exorbitantes e não sejam transparentes nas suas contas. Afinal, são concessionárias agindo em nome do interesse público e do bem comum.

O planejamento e a reforma urbana, o direito à moradia digna das famílias mais pobres, a melhoria e ampliação das vias, dos espaços e equipamentos públicos pressupõem atos de desapropriação de imóveis privados. É preciso distinguir, para efeitos de justa indenização dos proprietários, entre os bens de uso e renda pessoal ou familiar (a casa em que a pessoa ou a família mora, um, dois ou três imóveis alugados e que compõem seu orçamento; o lugar do negócio, seja um ponto comercial, o escritório, uma micro, pequena ou média empresa) das propriedades meramente especulativas. Aquelas merecem toda proteção legal; as propriedades especulativas que não atendem as determinações dos artigos 5º, XXIII; 170, III; 182; 184 e 185 da Constituição da República Federativa do Brasil, afrontam diretamente o bem comum e como tal devem ser tratadas pela lei à luz do interesse público e do bem estar coletivo.

Nós vivemos em sociedades, somos interdependentes. Essa realidade, a vida comunitária, pressupõe que os legítimos direitos individuais se articulem com os igualmente legítimos direitos sociais e os emergentes direitos coletivos e difusos ligados à questões urbanísticas e ambientais. Se esse equilíbrio, justo e necessário, não for alcançado num espaço curto de tempo, as cidades brasileiras vão se tornar caóticas, num contexto crescente de violência e desagregação social. Não podemos aceitar esse destino. Uma palavra de ordem, que bem cabe no momento, deve ser: reforma urbana já! Comecemos por aplicar a Constituição e o Estatuto das Cidades. No caso de Belo Horizonte temos a Lei Orgânica que considerou com atenção e propriedade o desafio urbano, incluindo os direitos ao transporte coletivo, à habitação e abastecimento alimentar. É conferir os artigos 184 a 211 da lei maior da nossa Capital.

Outras medidas e realizações serão necessárias, sempre acolhendo e ampliando o princípio da função social da propriedade e do lucro e o primado do direito à vida e do bem comum.

A partir do governo do Presidente Lula foram criados alguns ministérios que mudaram o Brasil como o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome e o Ministério do Desenvolvimento Agrário. A criação do Ministério das Cidades, na mesma linha, foi uma notável percepção política. Infelizmente, por razões várias, ele ainda não cumpriu o seu papel. Quem sabe o Ministério das Cidades cumpra, nos próximos anos, o papel que as novas políticas públicas sociais – Assistência Social, Renda de Cidadania para as pessoas e famílias pobres (Bolsa Família e Benefício de Prestação Continuada) e Segurança Alimentar e Nutricional – cumpriram nos últimos anos?

O Diretório Nacional do Partido dos Trabalhadores destaca entre as prioridades do momento histórico que vivemos, “a necessidade da reforma urbana, dentro do princípio constitucional da função social da propriedade”. (veja aqui documento na íntegra)