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  patrus com jesuitas

O Brasil precisa fazer, com participação da sociedade, uma reforma política vinculada a temas econômicos e sociais e desvinculada de ideias autoritárias e restritivas como a da escola sem partido e a da escola secundária desestimulante à reflexão da juventude. Em síntese, foi essa a mensagem que o deputado federal Patrus Ananias (PT-MG) transmitiu na manhã de sábado (29) aos participantes do Seminário Diálogos em Construção – Reforma Política – promovido pelos jesuítas e realizado no Centro Cultural Brasília.
   “A gente tem que pensar em mudanças que, realmente, tenham consequências efetivas para a sociedade, especialmente para os mais pobres. Sem essa preocupação será grande o risco de cairmos no jogo das elites, nos envolvendo em reformas superficiais”, afirmou Patrus.
    Além do deputado, participou do debate como convidado o ex-procurador-geral da República Claudio Fonteles.
    Leia, abaixo, as principais declarações de Patrus sobre o momento político, a reforma política e outras propostas em discussão:

NECESSIDADE DE DIÁLOGO
   “Estamos precisando muito de diálogo no Brasil – diálogo entre nós, pessoas comprometidas com a ética, com a justiça social, com os pobres; diálogo com as pessoas que têm compromissos com a democracia, com o respeito às pessoas que pensam de forma diferente.  Nós estamos vivendo um momento de sectarismo muito forte.  No Congresso Nacional, principalmente na Câmara dos Deputados, a gente verifica um nível de arrogância e de intolerância que pode comprometer o futuro da democracia no Brasil e está comprometendo seriamente as conquistas sociais que tivemos no Brasil nos últimos anos. Estamos vendo uma direita truculenta, atrasada, sem nenhum refinamento intelectual – e nem vou dizer ético, moral, de valores etc.”

REFORMAS SUPERFICIAIS – O JOGO DAS ELITES
É preciso evitarmos ilusões em relação à reforma política. Com muita facilidade a gente costuma buscar caminhos diante de crises – e às vezes se deixa levar por caminhos que não conduzem realmente a soluções. No interior de Minas tem um ditado que diz: quanto mais muda, tanto mais fica do mesmo jeito. A gente tem que pensar em mudanças que, realmente, tenham consequências efetivas para a sociedade, especialmente para os mais pobres, que devem ser sempre os destinatários maiores das nossas ações, das nossas políticas públicas e de nosso compromisso. Sem essa preocupação será grande o risco de cairmos no jogo das elites nos envolvendo em reformas superficiais. A gente desvincular a questão política das questões econômicas, das questões sociais, me parece delicado. Não podemos pensar uma reforma política dissociada das questões econômicas. Ou correremos o risco de fazer uma reforma política do tipo “me engana que eu gosto”.  Temos que fazer reforma política com participação da sociedade. Com debates. Com a retomada do movimento cidadão pela democracia e pela reforma política. Tem que envolver a CNBB, pastorais, movimentos sociais, OAB. Temos que ampliar o debate. Ou as oligarquias hereditárias manterão a sua dominação, como tem ocorrido em todos os embates. Na hora decisiva eles têm ganhado todas as disputas – essa é que é a triste realidade. E eu temo que a discussão atual sobre reforma política fique uma coisa interpares, sem efetiva abertura para compreender aquilo que o saudoso e hoje santo Papa João XXIII chamou de “os sinais dos tempos” – quais são os sinais dos tempos que nós temos que captar para avançarmos numa reforma política vinculada a outras reformas no contexto do processo civilizatório no Brasil.

DE BARRIGA VAZIA NINGUÉM VIVE
Uma questão fundamental da política é que as pessoas possam votar, ser votadas, participar do processo político com consciência. E só tem consciência quem tem  suas necessidades materiais básicas atendidas. Aqui é São Tomás de Aquino: a prática das virtudes cristãs pressupõe o atendimento das necessidades materiais básicas. A gente pode trazer pra o nosso tempo: a prática das virtudes cívicas, das virtudes republicanas, democráticas, pressupõe o atendimento das necessidades materiais básicas. O nosso povo simples do interior traduz isso com primor: de barriga vazia ninguém pensa.  A gente pode dizer um pouquinho além: de barriga vazia ninguém vive. Aí a importância dos programas sociais. A gente tem que ter essa consciência de que, sem que as pessoas tenham condições básicas, direitos sociais básicos, não tem militância política, não tem cidadania.
CAPITALISMO SELVAGEM
O desafio que se coloca no Brasil hoje, na minha leitura, é que nós temos que disciplinar o capitalismo, normatizar o capitalismo. Aqui o poder do dinheiro não tem limites. O capitalismo no Brasil é selvagem – e nós erramos, em nossos governos, ao não discipliná-lo. 

A FUNÇÃO SOCIAL DA TERRA
Há três reformas de que o país precisa e tem que fazer. Em 1964 falávamos em reformas de base. Quais eram as reformas de base? Reforma agrária, reforma urbana e reforma tributária. Tratava-se e ainda se trata hoje de colocarmos em prática o princípio, que remonta às origens da tradição cristã – Deus destinou os bens da terra a todos os homens – e que está nas constituições do Brasil desde 1934, que é o princípio da função social da propriedade e das riquezas, a função social da terra. Vamos admitir o direito de propriedade, a livre iniciativa, a economia de mercado, mas tudo isso tem que estar subordinado às exigências superiores do direito à vida. E direito à vida pressupõe direito a alimentação, saúde, educação, água, saneamento básico, moradia, trabalho digno. Vamos subordinar também o direito de propriedade, a livre iniciativa, a economia de mercado às exigências superiores do projeto de nação, do bem comum, do interesse público, da justiça social. 

A PERVERSIDADE DO GOVERNO TEMER
Todas as políticas propostas pelo atual governo são marcadas por enorme perversidade.  Eles não tem nem a preocupação de escamotear, de esconder. A conta está sendo apresentada para os pobres. É a PEC 241, é a reforma da previdência, é a reforma trabalhista, é a desvinculação dos benefícios previdenciários do salário mínimo. Querem tirar o pão da boca de gente pobre.

MOVIMENTAÇÃO AUTORITÁRIA
Se a PEC 241 (agora 55, no Senado) e as anunciadas reformas previdenciária e trabalhista desconstituem direitos sociais, existe também outra movimentação perigosamente autoritária, que restringe o aspecto do debate político. É a Medida Provisória 746, que retira da escola secundária todas as disciplinas que fazem pensar – Filosofia, História, Sociologia. É pra formar técnico, pra fazer trabalho de técnico e não pensar. É pra atender as exigências do sistema. A meninada está resistindo aí. A juventude está com a cabeça boa. Os estudantes estão resistindo à PEC 241, à Medida Provisória 746 e a essa coisa louca de Escola sem Partido. Escola sem Partido é escola do partido único: o Partido da Escola sem Partido. Ou esse pessoal que defende Escola sem Partido é ingênuo? É puro? Está fora dos conflitos? Ele não tem interesses? Não representa setores da sociedade? Ao querer uma escola que não discuta politicamente, esse pessoal está querendo uma sociedade que não discuta. Não podemos fazer reforma política vinculada com escola sem partido e com escola secundária que não estimule a reflexão crítica da juventude.  A reforma política tem que estar vinculada às reformas de base, à construção efetiva da cidadania, dos direitos sociais, de uma sociedade que pense, que reflita.

DEMOCRACIA PARTICIPATIVA
Considero fundamental discutirmos a democracia participativa. A democracia representativa foi uma conquista. A democracia direta, que remonta às origens gregas da praça pública, da ágora, também é uma coisa bonita. Mas cada vez mais eu me convenço de que, sem eliminar as outras formas de democracia, a democracia participativa é o grande caminho. Porque não há democracia sem espaços comuns, sem mediações, sem consensos, que só podem existir quando as pessoas se encontram em plenárias, no debate público. Me parece fundamental a democracia participativa. Primeiro, porque é uma forma de construirmos uma espécie de escola de cidadania, na prática. As pessoas exercerem os seus direitos e deveres de cidadãos e de cidadãs. Exercerem os seus direitos políticos e desenvolverem a sua consciência cidadã, social. Sem essa dimensão eu não vejo como nós termos uma reforma política que chegue até as bases.  Porque ao pensar em reforma política temos que pensar nas pessoas que votam, que elegem candidatos. Não pode ser uma coisa de cima só pra atender a demanda dos que estão na política formalmente. Tem que ser uma construção de baixo pra cima.
Nós falhamos nos nossos governos. Começamos muito bem a questão da democracia participativa nas prefeituras. Avançamos com o orçamento participativo. E quando era para darmos um salto buscando o planejamento participativo, uma participação estratégica de médio e longo prazo definindo também obras estruturantes, políticas públicas de mais longo alcance, mais duradouras, nós recuamos no plano municipal e não avançamos nas experiências estaduais e nacional. Acho que esse é um tema que deve ser recolocado hoje.    

PODER ECONÔMICO
Outro ponto que deve ser discutido é o poder econômico nas eleições. Não é só discutirmos se o financiamento deve ser público ou privado. Tiraram o financiamento das empresas – e eu achei bom, sempre defendi isso.  Mas o que correu de dinheiro de particular na campanha eleitoral deste ano…E cresceram outras formas de manipulação e de controle, inclusive de setores religiosos que usam muito bem o sagrado nome de Deus com objetivos eleitorais.

A VOLTA DOS CURRAIS
O tempo de campanha agora é 45 dias. Isso é uma loucura, como a da Escola sem Partido. É a ideia de que a sociedade não deve participar. 45 dias não dá pra nada. Por que não abre esse trem e permite que alguém seja candidato o tempo todo? Por que tem que restringir o tempo das campanhas? Se não está abusando do dinheiro, se não está fazendo nada contra a lei, deixa a pessoa dizer que é candidata e andar nos bairros, nas comunidades, usar as redes sociais. Eleição com campanha de prazo curto é pra favorecer quem tem dinheiro, quem detém poder econômico, quem tem curral eleitoral. Coisa triste: os currais eleitorais estão voltando ou voltaram, formados por motivos religiosos e econômicos – dinheiro, troca de favor, consulta de graça.

COLIGAÇÕES
Aliança em eleição majoritária já é uma questão delicada, como evidencia nosso presidencialismo de coalisão. Nas eleições proporcionais as alianças são desastrosas. Você vota num candidato de esquerda e, às vezes, ele puxa outro com uma visão inteiramente diferente, inversa até.

CLÁUSULA DE BARREIRA
Acho assustador que o Brasil tenha 40 partidos políticos. Algumas pessoas sérias, respeitáveis, argumentam que a cláusula de barreira cerceia a liberdade de organização das pessoas e que a seleção de partidos deve ser feita pelo povo. Não concordo. Acho razoável, dentro de um debate democrático com a sociedade, estabelecer determinados limites para a formação de partidos. Estou convencido de que não há como governar o país com 40 partidos. Não há como o Legislativo funcionar bem com 40 partidos. É uma gigantesca fragmentação – aliás, estamos vivendo numa sociedade perigosamente fragmentada, profundamente individualista, consumista, de cada um por si e o diabo contra todos.

VOTO FACULTATIVO OU OBRIGATÓRIO
Desde que você estabeleça as condições pra que a pessoa exerça sua cidadania com dignidade, desde que você respeite efetivamente a pessoa, pode exigir dela também. Que ela dê sua contribuição para que a sociedade seja mais razoável. No limite, se eu tiver que decidir, vou pelo voto obrigatório.

LISTA ABERTA OU FECHADA
Eu acho pouco provável, com a pouca tradição partidária que temos no Brasil, trabalharmos com a lista fechada. Teoricamente é melhor.  Mas é grande o risco de que as burocracias partidárias – um câncer que infesta todas as experiências partidárias no Brasil e que é formado de gente sem voto nenhum, sem representação social nenhuma – decidam quem vai entrar na lista.