por Patrus Ananias
Ainda em 2016, quando a PEC 55 (ou 241, na Câmara) estava em discussão, eu declarava publicamente: Se for aprovada, a PEC do Desmonte assina a sentença de morte do Bolsa Família. O encerramento do programa social de maior alcance e sucesso dos governos do PT fazia parte dos planos daqueles que tomaram o poder com o impeachment. A distribuição de renda e a mobilidade social conquistadas com tanto esforço desde o primeiro mandato do presidente Lula estavam no alvo da guinada à direita que se apossou do poder federal. Nunca esconderam ou tentaram disfarçar esse objetivo.
Ainda na fase de estruturação do programa Bolsa Família, diversos argumentos buscavam sabotar a iniciativa. Ao invés de hipóteses que levavam a pensar em modos de expandir o programa e integrar ainda mais a distribuição de renda à economia cotidiana (algo essencial nos grandes centros e nas pequenas cidades), o que recebíamos eram ataques que se opunham frontalmente à implantação do Bolsa Família.
Diziam que “gera dependência”. Porém, o que cria dependência e o que escraviza é a fome, a miséria. A miséria é uma dependência que as classes dominantes do Brasil aprenderam a explorar e a garantir. Qualquer iniciativa que busque acabar com a dependência gerada pela miséria é duramente atacada e refutada. E a dependência gerada pela fome é aquela leva ao limite: a morte pela falta do que comer.
Diziam que era necessário criar “portas de saída” para o programa. Mas isso sem discutir que é necessário antes criar portas de entrada, levando em conta a dívida social do Brasil, desde o legado da escravidão. Não se nega que a criação de novos postos de trabalho é essencial para a economia, para ampliar a igualdade social, com direitos assegurados aos trabalhadores (realidade que os atuais ocupantes de altos cargos da República também desejam que seja parte do passado). Porém, antes disso precisamos garantir portas para uma vida saudável, portas para o mínimo de dignidade dos brasileiros, que é a alimentação diária.
Em primeiro lugar, criar portas para incluir, para trazer para dentro da casa brasileira essas pessoas deixadas à margem da dignidade da vida.
Também entravam com insistência no argumento excludente do “ou isto ou aquilo”, que só é belo na poesia de Cecília Meireles. Como se fosse questão de discutir, a respeito do maior programa de distribuição de renda do mundo, se é importante ou dar o peixe ou ensinar a pescar. Mas se a pessoa vai pescar sem ter comido antes, sem ter se alimentado minimamente, corre o risco de desequilibrar e cair no rio. E se o rio for perigoso, há o perigo de ela própria se tornar alimento, ao invés de encontrar aquilo que a sustente. Para buscar trabalho, para lutar por condições menos degradantes de vida, é necessário ter o próprio sustento.
Mesmo com todos os avanços que tivemos, desde a Constituição Cidadã e especialmente a partir do primeiro mandato do presidente Lula, continuamos sob o peso de uma dívida social enorme. Ainda hoje, temos em torno de 10% de analfabetos no Brasil.
Quando fui ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, trabalhávamos no Bolsa Família com o conceito de pobreza geracional. Ainda se contam aos milhões os brasileiros cujos pais e avós não tiveram acesso a direitos básicos. E programas como esse existem para garantir que seus filhos e netos tenham a condição de um futuro melhor.
Daí a importância inegável desse programa, que é tão caro ao meu coração por ter ajudado a tirar o Brasil do Mapa da Fome e a construir alguns degraus na direção de um país mais justo.