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Tenho vínculos históricos e profundos com o povo judeu e a tradição judaica, assim como com os povos árabes e palestinos. Sou neto de libanês.

Sou leitor da Bíblia desde a infância, quando comecei a me abrir para as questões políticas, inspirado pela vida e pelos ensinamentos de Jesus.

Encontrei também no Velho Testamento, textos judaicos, lições e exemplos que me acompanham vida afora. Começou com Moisés expondo diante de Javeh as suas fragilidades humanas e políticas: “Perdão, meu Senhor, eu não sou um homem de fala (…)pois tenho a boca pesada e pesada a língua (…). Eu não sei falar com facilidade”. Moisés, então, pede dispensa de sua missão de libertar seu povo do domínio egípcio. Não é atendido.

                Sempre acolhedor e humilde, Moisés, que atende as pessoas, uma a uma, do nascer ao pôr do sol, escuta o conselho do sogro:

Escolhe no meio do povo homens capazes, tementes a Deus, seguros, incorruptíveis e estabeleça-os como chefes de mil, chefes de cem, chefes de cinquenta e chefes de dez. Eles julgarão o povo em todo tempo. Toda causa importante eles trarão a ti, mas toda causa menor eles mesmos julgarão. Assim, será mais leve para ti”.

É o início de um saudável processo de maior participação da comunidade.

Moisés aponta diretrizes para a relação com estrangeiros e pobres:

Não afligireis o estrangeiro nem o oprimido, pois vós fostes estrangeiros no país do Egito (…). Não tardarás em oferecer da tua abundância e do teu supérfluo (…). Não espalharás notícias falsas, nem darás a mão ao ímpio para seres testemunha da injustiça (…). Da falsa acusação te afastarás; não matarás o inocente e o justo, e não justificarás o culpado (…).

A passagem que mais me toca o coração é aquela em que Moisés é informado – na verdade, trata-se de uma denúncia; querem que ele tome providências punitivas – de que pessoas “estão profetizando no acampamento.” (…) “Estás ciumento por minha causa. Oxalá todo o povo de Javeh fosse profeta, dando-lhe Javeh o seu espírito”.

                Seguem as minhas leituras bíblicas. Encontro com Davi. Carregava em todas as dimensões os limites, contradições e fragilidades da condição humana. Reconhecia seus erros e pecados, baixando a cabeça diante de seu Deus e daqueles que falavam e agiam em seu nome. Cometeu um crime gravíssimo ao facilitar a morte de um amigo leal para ficar com a mulher dele, que Davi muito desejava. Recebeu uma duríssima advertência do Profeta Natã, abaixou a cabeça, chorou e se arrependeu.

                Seguem os Profetas. Isaías foi sempre o meu preferido, um guia. Lembremos o sonho, ainda não realizado, de Martin Luther King, nele inspirado: “Sonho que um dia todos os montes serão rebaixados, todos os vales serão exaltados; os lugares inóspitos serão aplainados”. Isaías, em muitas passagens, antecedeu Jesus nos anúncios da justiça e da paz: “Eu trarei paz como um rio (…)”.

                Muito aprendi com os Livros Proféticos e Sapienciais. Os Salmos, em boa parte atribuídos ao rei Davi; os Provérbios, a Sabedoria de Salomão – outra figura contraditória e intrigante – Eclesiástes…[1]

                Chegamos a Jesus, o Príncipe da Paz, que nasceu e viveu em territórios onde se encontram judeus e palestinos. Andou também pelo Egito. Jesus, o judeu-palestino, abre os olhos e o coração para o mundo: “Bem-aventurados os que promovem a Paz”.

Saltemos agora dois mil anos de história. Os judeus dispersos pelo mundo, maltratados e vistos com preconceito. Por outro lado, os árabes-palestinos também não tiveram boa vida. Enfrentaram as Cruzadas, “guerras santas”, o colonialismo e a exploração europeia.

No caso dos judeus, a violência atingiu seu ponto culminante com o genocídio nazista – um dos maiores crimes, senão o maior da história da humanidade. As memórias de Anne Frank tocam o coração e nos acompanham para sempre!

Atravessamos as guerras, tristemente presentes desde a criação do Estado de Israel; a Guerra dos Seis Dias, em 1967; os territórios palestinos invadidos e ocupados.

Chegamos aos nossos dias. O atentado terrorista do Hamas matando e sequestrando pessoas totalmente indefesas. Inaceitável o número de mortos e sequestrados!

Mas, e a reação do governo de Israel sobre o povo palestino? O que nós estamos assistindo, através das imagens dos meios de comunicação (e aqui presto homenagens às transmissões da TV França, focada na América Latina), é estarrecedor! Não se trata de uma guerra contra o Hamas, mas sim de uma guerra de Israel, poderosamente armado, contra o povo palestino.

No momento em que escrevo este texto, a mídia mundial independente registra quase 30 mil mortes palestinas. São milhares de crianças, adolescentes, pessoas idosas, pais e mães de família. São 69.333 feridos desde o início do conflito, muitos deles com feridas e sequelas para sempre, no corpo e na alma. 90% da população palestina de Gaza – são 2,1 milhões de habitantes – vivendo graves e crescentes problemas de saúde, fome e falta de água.

As forças militares de Israel não têm limites. Destroem a Palestina [Gaza] e avançam sobre o Líbano. Qual o limite? Onde o atual governo de extrema direita de Israel pretende chegar? A pergunta fica no ar. Não tenho, não temos, as receitas precisas para a paz. Mas penso que é hora de Israel e seu aliado maior, os Estados Unidos, ouvirem com mais atenção os chamados das organizações internacionais, especialmente das Nações Unidas.

Os atos genocidas que estão sendo cometidos contra a população palestina, sem limites e com potencial de se espalhar para outros países, não podem continuar. Novamente, buscamos inspiração no ensinamento de Jesus: “Bem-aventurados os que promovem a paz”.

 

Patrus Ananias

Deputado Federal PT/MG

Fevereiro 2024



[1] Fonte: Agence France-Presse, 21/02/2024..