Por Patrus Ananias, publicado no jornal O Globo em 05/09/17
A Independência do Brasil formalizada em 7 de setembro de 1822 não está completa. Foi proclamada pelo príncipe herdeiro da Coroa portuguesa, que se tornou rei de Portugal, Dom Pedro IV, após abdicar do trono brasileiro.
O Brasil teve que pagar a Portugal uma indenização de 2 milhões de libras. Segundo o historiador Boris Fausto, a necessidade de compensar a antiga metrópole “deu origem ao primeiro empréstimo externo, contraído pelo Brasil em Londres”. Desde a vinda da família real, em 1808, o Brasil submeteu-se a acordos com a Inglaterra prejudiciais aos nossos interesses — acordos mantidos e ampliados após a Independência.
Enquanto, na política externa, nos submetíamos aos interesses ingleses, no plano interno não abríamos as portas da independência para milhões de brasileiros. Conservamos a escravidão, que considerava como coisas os nossos antepassados escravos e lhes fechava as portas da nacionalidade e da cidadania. Continuavam as chamadas “guerras defensivas” contra os índios igualmente marginalizados e excluídos da comunhão nacional.
A fortíssima concentração da terra, decorrente dos regimes das capitanias hereditárias e das sesmarias, impossibilita também às populações rurais não proprietárias, trabalhadores e posseiros, o exercício dos direitos e deveres da cidadania.
A escravidão estendeu-se às vésperas da Proclamação da República. A Lei Áurea não se desdobrou em reformas e políticas públicas que assegurassem aos antigos escravos e seus descendentes a efetiva integração na vida brasileira. Foram literalmente esquecidos!
Tivemos no século XIX um notável desenvolvimento na cultura, a partir de nossas raízes. Mas, embora os avanços nas artes, somou-se ao colonialismo econômico o colonialismo cultural, com a submissão de parte das nossas elites às dimensões menos anunciadoras da cultura europeia.
A República em nada alterou esse quadro. A estrutura agrária se manteve e vivemos o período áureo do coronelismo, das eleições fraudadas. Canudos, o Contestado e outras rebeliões urbanas e sertanejas exprimem, na sua tragédia brutal, a realidade social brasileira.
A Revolução de 1930 abriu novas possibilidades ao projeto nacional. O Estado ganha uma nova consistência. Surgem o Dasp (Departamento Administrativo do Serviço Público), a Petrobras, a Eletrobras, a Companhia Vale do Rio Doce.
O golpe de 1964 inclinou-se por maior aproximação e mesmo submissão aos interesses dos Estados Unidos. O governo Geisel retoma, ainda que de forma autoritária e meio enviesada, a política externa independente.
A Constituição de 1988 abre perspectivas ao processo de emancipação econômica e social do Brasil. Suas boas diretrizes encontraram guarida na política externa articulada com as políticas sociais para superação da fome e da miséria, implantadas a partir do início do governo Lula.
O golpe que levou Michel Temer ao poder iniciou um lamentável retrocesso na busca da independência do povo brasileiro. Pôs em curso o desmonte da soberania nacional e dos direitos sociais que asseguram a soberania popular.
Dentro de cinco anos celebraremos o bicentenário do início do nosso processo de independência. Que país queremos para nós e para as futuras gerações? Qual o nosso projeto para o Brasil?
Sete de setembro é sempre a data de rememorarmos o passado, celebrarmos o presente com todos os seus desafios e contradições e planejarmos o futuro na perspectiva do estado democrático de direito fundado nas liberdades públicas, no bem comum e na justiça social, vale dizer, nos direitos dos pobres e excluídos brasileiros a uma vida compatível com as exigências da dignidade da pessoa humana.
Link: http://noblat.oglobo.globo.com/geral/noticia/2017/09/independencia-processo-em-construcao.html
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