

Têm os que amam a sua terra por que nela nasceram, têm aí suas raízes, a sua história pessoal, familiar, comunitária. Outros escolhem a terra em que vão viver e amar. Mais do que filhos adotivos são filhos por opção.
Michel Marie Le Ven e Pier Luigi Bernareggi escolheram o Brasil, escolheram Minas Gerais, escolheram Belo Horizonte. Tornaram-se profundamente brasileiros, mineiros, belo-horizontinos. Tornaram melhor a nossa pátria, as nossas Minas e os nossos Gerais, esta cidade que tem o mais belo dos horizontes.
Michel Le Ven chegou aos meus ouvidos e ao meu coração no estranho ano de 1968 – “o ano que não terminou…” – quando foram presos em Belo Horizonte três padres franceses e um diácono brasileiro por “atividades subversivas”. Trabalhar com os pobres, alargar os corações e as mentes das pessoas nos trabalhos de construção da paz era considerado subversão, atividades atentatórias à segurança nacional.
Michel Le Ven estava entre os presos e eu vivia, então, os meus 16 anos abrindo os meus olhos, o meu coração e a minha cabeça para as realidades do Brasil e do mundo. Michel participou ativamente deste projeto. Vim a conhecê-lo pessoalmente alguns anos depois – anos 1970. Teve início uma bela e fraterna amizade, onde seguramente recebi muito mais do que dei.
Michel, homem comprometido com as grandes causas humanas, sociais e éticas do nosso tempo, era uma pessoa enternecida. Vivia as relações pessoais com a mesma intensidade com que se colocava nas lutas coletivas pela justiça e pela vida. Homem sábio, portador de conhecimentos e de cultura notáveis, vivia essa dimensão do mestre com a humildade própria dos que unem o saber às virtudes cristãs do acolhimento, da abertura, da compaixão. Homem simples e despojado, vivia também sem maiores alardes o pleno desprendimento em relação ao dinheiro e aos bens materiais. Vera e eu conversamos sobre essas belíssimas dimensões, que se integram na vida do Michel.
Entre os textos e livros do Michel, sempre muito bons!, dois me marcaram de forma muito particular e intensa: Afeto e Política. O título fala por si, é o que mais carecemos nesses tempos áridos em que vivemos; impregnar a nossa militância política e social com as dimensões do afeto, da ternura, do respeito às diferenças e aos diferentes, sem abdicar dos nossos valores e compromissos.
O outro livro é sobre Dazinho. Mais uma paixão que nos unia. Convergíamos na compreensão de que Dazinho era um ser humano absolutamente singular nos seus limites e imperfeições, inerentes a todos nós, mas sobretudo nas virtudes cívicas e cristãs, na sua busca extraordinária da coerência e da integridade.
Além das dimensões políticas e culturais, vivemos, Vera e eu, com Michel, o prazer da amizade. Vera recorda o encontro e o jantar que tivemos com Michel e Mônica, em Brasília, nos bons tempos do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.
Por onde andei, por onde andamos, Michel sempre esteve presente. Continuará!
As minhas relações com Padre Piggi – para muitos de nós se tornou, no linguajar brasileiro, o Padre Pide – se deram mais no campo da militância e dos compromissos sociais e do desejo de seguir os ensinamentos de Jesus. Eu o conheci também nos anos 1970, nas lutas inesquecíveis do Profavela (Programa Municipal de Regularização de Favelas), que garantiram a muitas comunidades empobrecidas de Belo Horizonte o direito de permanecer e de morar onde estavam e estão resistindo aos avanços da especulação imobiliária.
Aprofundamos as nossas relações e diálogos quando exerci o cargo de vereador e fui o relator da Lei Orgânica da nossa capital. Sobretudo quando fui prefeito. Concordamos sempre em nossos objetivos e compromissos com os que lutam pelo direito fundamental à moradia. Tínhamos às vezes as nossas fraternas discordâncias quanto aos meios. No seu arraigado amor aos pobres e aos que não têm onde morar ou moram em condições indignas e desumanas, Padre Piggi nem sempre considerava as questões ambientais e urbanísticas. Tivemos então ótimas conversas. Seguramente ele me fez compreender melhor o que representa para as pessoas e para as famílias o direito à casa própria, inserido no contexto comunitário – direito para todos. Guardo sobretudo a lembrança de uma visita que lhe fiz em sua residência quando esteve adoentado. Conversa longa. Na despedida rezamos juntos.
Padre Piggi tinha um lado parecido com o Dazinho: quando assumia uma causa era para valer. Ia às últimas consequências na fidelidade a esse bem-querer.
Eles sempre assumiam a causa dos pobres, assim como Michel.
Michel Le Ven e Pier Luigi Bernareggi, o nosso Padre Pide, continuam presentes, muito presentes, na caminhada histórica e libertária dos pobres, de Minas Gerais, do Brasil. Vamos preservar com muito carinho as suas memórias e exemplos.