Campanha eleitoral. Bons momentos de caminhada cívica e democrática pelas ruas de BH, nos quais compartilhamos desejos, esperanças. Temos planos para a cidade, fazemos planos com a cidade. E, entre uma caminhada e outra, continuo com minhas leituras, outra fonte de alimento para nossa vida. Uma dessas é a releitura que estou fazendo das andanças e sonhos de “Dom Quixote”, de Miguel de Cervantes. Que ninguém duvide da capacidade dos sonhadores. O Cavaleiro da Triste Figura tornou-se também o Cavaleiro dos Leões. Ele e seu fiel escudeiro, Sancho Pança, enchem nosso coração.
“Minhas Recordações”, de Francisco Paula Ferreira Rezende, é outro livro surpreendentemente bem feito, que resgatei no sebo por indicação de dois amigos e mestres que não estão mais fisicamente entre nós, Francisco Iglesias e José Maria Cançado. É um livro que nos repõe à Minas e ao Brasil nas primeiras décadas do século XIX.
Entre um e outro, reencontro anos depois os poemas belíssimos de Adélia Prado. “Bagagem”, seu primeiro livro, li pela primeira vez quando de sua publicação, em 1976. Agora, releio, em um belo reencontro com sua poesia. Compartilho, então, entre nossas andanças pelas ruas de Belo Horizonte, um poema dessa grande poeta.
Leitura
Era um quintal ensombrado, murado alto de pedras,
As macieiras tinham maçãs temporãs, a casca vermelha
de escuríssimo vinho, o gosto caprichado das coisas
fora do seu tempo desejadas.
Ao longo do muro eram talhas de barro.
Eu comia maçãs, bebia a melhor água, sabendo
que lá fora o mundo havia parado de calor.
Depois encontrei meu pai, que me fez festa
e não estava doente e nem tinha morrido, por isso ria,
os lábios de novo e a cara circulados de sangue,
caçava o que fazer pra gastar sua alegria:
onde está meu formão, minha vara de pescar,
cadê minha pinga, meu vidro de café?
Eu sempre sonho que uma coisa gera,
nunca nada está morto.
O que não parece vivo, aduba.
O que parece estático, espera.
Adélia Prado