A tradição cristã inicia hoje o tempo da Quaresma. Este tempo nos reporta aos 40 dias em que Jesus, após ser batizado por João Batista e antes de começar a sua vida pública, retirou-se para, no silêncio e no jejum, confrontar-se consigo mesmo e com a sua missão.
Enfrentou e venceu as três grandes tentações que nos assediam sempre. A primeira tentação é tornar o alimento um fim em si mesmo. Jesus nos lembra de que o pão está a serviço da vida. Nós nos alimentamos para o bem viver e não devemos fazer da comida o objetivo final de nossas vidas. Jesus sempre atento às necessidades das pessoas não ignora a dimensão fundamental da boa alimentação. Gostava de partilhar a mesa e as refeições com as pessoas. Em todos os quatro evangelhos, Jesus alimenta as pessoas sob a ameaça da fome (Mateus 14, 13-21; Marcos 6, 34-44; 9, 1- 9; Lucas 9, 12-17; João 6, 5-13).
Veio depois a tentação para negarmos os limites da nossa frágil condição humana. Afrontar as leis da natureza que condicionam a nossa existência, as leis da gravidade; pôr Deus à prova.
A terceira tentação parece-me a mais perigosa, porque é a mais sutil. É a tentação do poder a qualquer preço. O poder sobre os reinos deste mundo e a glória dele decorrente ao preço da entrega da alma, da consciência, dos princípios e valores éticos. É submeter-se ao mal, adorar o bezerro de ouro. É o exercício do poder sem compaixão.
A Campanha da Fraternidade deste ano nos repõe a presença de Jesus e a busca da unidade dos cristãos e das pessoas de boa-vontade, movidas pelos sentimentos do amor e da justiça.
Mateus, após a experiência vitoriosa de Jesus no deserto, o chamado dos primeiros discípulos e o anúncio da Boa Nova (Mateus 4, 1-25), nos apresenta o núcleo fundamental do legado de Jesus, o Sermão da Montanha (Mateus 5, 1-46; 6, 1-34; 7, 1-29).
A leitura atenta destes evangelistas, desprovida de ódios e preconceitos, deixa claro que a Campanha da Fraternidade e seus temas ao longo dos seus 58 anos de magnífica presença, se insere com muita fidelidade nos ensinamentos do Mestre, trazendo-os aos nossos dias e realidades desafiadoras que vivemos no Brasil.
Os que se dizem cristãos, católicos e atacam tão duramente a Campanha da Fraternidade não o fazem com base nos textos do Evangelho. É só confrontar o que eles dizem e fazem com os ensinamentos e exemplos d’Aquele que veio para que tenhamos a vida e a tenhamos em plenitude (João 10: 10). Tenhamos uma boa e fraterna Quaresma, vivendo este grande desafio: fazer Jesus de Nazaré presente nas terras brasileiras.
Comecemos pondo em prática as primeiras diretrizes do Sermão das Bem-Aventuranças:
Vendo as multidões, Jesus subiu à montanha e sentando-se, vieram encontrá-lo os seus discípulos. E abrindo a sua boca, ensinou-os dizendo:
Bem-aventurados os mendigos pelo espírito,
porque deles é o reino dos céus.
Bem-aventurados os que estão de luto,
porque eles serão reconfortados.
Bem-aventurados os gentis,
porque eles herdarão a terra.
Bem-aventurados os esfomeados e sedentos de justiça,
porque eles serão saciados.
Bem-aventurados os misericordiosos,
porque eles serão alvo de misericórdia.
Bem-aventurados os puros pelo coração,
porque eles verão a Deus.
Bem-aventurados os que fazem a paz,
porque eles serão chamados filhos de Deus.
Bem-aventurados os perseguidos por causa da justiça,
porque deles é o reino dos céus.
Bem-aventurados sois vós, quando vos insultarem e perseguirem, e, disserem, mentindo, toda a maldade a vosso respeito por minha causa.
Alegrai-vos e regozijai-vos, porque a vossa recompensa nos céus é grande; pois do mesmo modo perseguiram aos profetas antes de vós.
Vós sois o sal da terra; mas se o sal se tornar insípido, com que se salgará? Já não serve de nada: só para ser jogado fora, e ser pisado pelos homens.
Vós sois a luz do mundo. A cidade situada na montanha não pode ser escondida;
Não se pode esconder uma cidade situada sobre um monte; nem os que acendem uma candeia a colocam debaixo do alqueire, mas sim em cima do candelabro, que assim brilha para todos que estão dentro da casa.
Que assim brilha a vossa luz diante das pessoas, para que vejam as vossas belas ações, e glorifiquem o vosso Pai, que estais nos céus.