Por Patrus Ananias
A educação tem sido o tema prioritário das minhas leituras e reflexões nos últimos meses. Constato que há um consenso, pelo menos no plano teórico, em torno de um dos objetivos fundamentais do processo educacional: desenvolver saberes e construir conhecimento em torno das ciências, das artes, dos cálculos matemáticos, da cultura. Aprender a conviver com distintas realidades do mundo em que vivemos.
Emergem, porém, novas questões relacionadas com a educação e o conhecimento. Uma delas diz respeito sobre e a partir de nós mesmos. O conhecimento sobre a nossa realidade interior; a história existencial inserida no contexto comunitário; os nossos sentimentos, emoções, desejos. O desafio de articular e integrar as dimensões externas do mundo em que vivemos e as nossas dimensões internas, tão bem explicitadas ao longo dos séculos pelas artes, especialmente pela literatura, pela filosofia – lembremos Sócrates na Grécia Antiga, aconselhando as pessoas a conhecerem a si mesmas. Em tempos mais recentes, a obra de Sigmund Freud sistematizou o conhecimento a partir das nossas inquietações interiores. Fica cada vez mais claro que travas e bloqueios interiores podem dificultar e até mesmo impedir o aprendizado.
A dimensão interior da pessoa humana desdobra-se na nossa dimensão comunitária. Emergem novos desafios no campo pedagógico. Como desenvolver os valores e procedimentos que possibilitem a boa convivência entre as pessoas, o exercício permanente da escuta e do diálogo, os trabalhos cooperativos, inclusive nos campos das ciências e da pesquisa. Assim, a educação não pode prescindir dos valores e procedimentos éticos.
Buscamos uma educação que considere a pessoa humana na sua integridade individual e societária. Importa lembrar que temos como ponto de partida da nossa caminhada existencial e das nossas relações os nossos corpos. O aprendizado intelectual pressupõe uma adequação às demandas corporais além das dimensões psíquica, emocional e comunitária. Assim considero que a primeira fase da educação, a educação infantil, deve dar especial atenção aos brinquedos e jogos coletivos, além dos exercícios físicos e saudáveis, onde a criança apreende duas dimensões fundamentais para o bem viver: o respeito aos adversários e às regras do jogo – princípio basilar do Estado Democrático de Direito – e as atividades de equipe, que pressupõem a solidariedade, a busca compartilhada dos objetivos, das metas, dos pontos, dos gols. Além das atividades esportivas e culturais compartilhadas, penso também nas atividades ligadas à natureza para que possamos desenvolver desde a infância esta compreensão fundamental da nossa integração e total dependência da nossa casa comum: a natação e outras atividades sobre e com as águas, as excursões e caminhadas pelas matas e parques, o contato direto com as fontes da vida, com a biodiversidade, com os ecossistemas.
No campo das disciplinas presentes na nossa tradição escolar, penso, em sintonia com os mestres que estou lendo, que devemos valorizar a nossa língua, conhecer, respeitar e preservar as línguas indígenas e outras expressões comunitárias próprias dos nossos povos tradicionais e que também constroem a nossa nacionalidade. Valorizar a nossa língua implica em valorizar a nossa literatura, a nossa música e seus esplêndidos autores e letristas.
Duas outras disciplinas que devem acompanhar a formação integral das nossas crianças e jovens: a História e a Geografia. A memória individual pressupõe a memória familiar e comunitária. Uma pessoa que perde a lembrança do seu passado torna-se incapaz de compreender o presente e projetar o futuro. Assim também na perspectiva comunitária. Um povo que não preserva bem a sua memória perde a sua capacidade de compreender o hoje e pensar o amanhã. Da mesma forma, a Geografia é inerente ao processo de conhecimento, porque nós estamos vinculados aos nossos contextos geográficos locais, regionais, nacional, planetário. Desnecessário falar da matemática e seus desdobramentos no território dos números, dos cálculos, das possibilidades e do acesso às novas tecnologias. Aqui creio ser necessária uma nova relação: ensinarmos as nossas crianças a se colocarem como sujeitos e agentes sobre as máquinas por mais sofisticadas que sejam.
Estudiosos da educação têm realçado a importância da filosofia na formação das crianças, desdobrando bem a fase extraordinária das perguntas, dos por quês e para quês. Platão já ensinava que a filosofia começa com o alumbramento. A infância é por excelência a idade dos alumbramentos.
Fica claro que a educação infantil, desde o maternal, passa a ser um momento fundamental na formação intelectual e ética da criança e da pessoa. Acompanha-nos por toda a vida.
Penso, enfim, que o objetivo maior da educação é formamos pessoas que integrem aos conhecimentos científicos, linguísticos, filosóficos, históricos, geográficos, matemáticos, tecnológicos a dimensão dos valores éticos e do exercício consciente dos direitos e deveres da cidadania. O exercício da soberania popular.