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Patrus Ananias e Pedro Patrus

Vamos precisar de tempo e de muita reflexão para compreendermos melhor o que está acontecendo no Brasil nessas últimas semanas.

Entretanto, algumas imagens e desafios já vão se delineando no campo e no horizonte das manifestações. Por conta da nossa formação e características históricas somos uma nação jovem. As manifestações que mobilizam o país exprimem uma crise de crescimento. É a imagem de um (a) jovem que não comporta mais as roupas da infância. Precisamos de uma nova indumentária. O colunista Luis Nassif expressou esse sentimento com palavras  elegantes: “… a moldura institucional do país não cabe mais no organismo social brasileiro”.

Os fatores que motivaram as manifestações foram se delineando aos poucos. As pessoas seguramente querem um Brasil à altura de si mesmo. Um país rico que pode dar, portanto,  condições dignas de vida ao povo. Querem direitos e serviços públicos universais e de qualidade, assegurados pela Constituição e pelo ordenamento jurídico do país. Para isso, querem o fim da corrupção, do desperdício e mau uso do dinheiro público.

No campo dos direitos e das políticas públicas algumas áreas ganharam mais visibilidade: transporte coletivo no contexto mais amplo da mobilidade urbana, educação, saúde, segurança vinculada à efetiva proteção e promoção da vida. Cada um desses pontos, assim como a questão da transparência e da prestação de contas, merece abordagem específica.

Queremos abordá-los na perspectiva de sua urgência e de seus custos. Devemos ser claros no enfrentamento desses desafios, que são fundamentais na viabilização do projeto nacional brasileiro: as obras referentes à mobilidade urbana e os serviços públicos mencionados, além de outros, custam caro. Se acabarmos com a corrupção e a má aplicação dos recursos públicos como efetivamente devemos fazer, ainda assim teremos que fazer as contas com muita atenção. Em outras palavras, precisamos definir prioridades, maximizar recursos, criar sinergias, convergências e combater, além da corrupção, a burocracia.

O sentimento das ruas é, também, o desejo de participar e de exercer os direitos e deveres da cidadania. “A gente quer ter voz ativa, no nosso destino mandar…” (Chico Buarque). Parece-nos que o caminho para se enfrentar esse dilema – a urgência dos investimentos e os limites financeiros – é retomar e ampliar os mecanismos de participação. Retirar as decisões dos gabinetes fechados e dialogar com o povo para fazer as escolhas.

Nos anos 80 e 90 do século passado, tivemos em algumas cidades brasileiras, Belo Horizonte entre elas, uma experiência estimulante que possibilitou o orçamento participativo ter caráter deliberativo. Contudo, esperávamos que ela fosse ampliada na perspectiva do planejamento participativo, com a população também discutindo e deliberando sobre as leis que incidem no orçamento, como os planos plurianuais e as leis de diretrizes orçamentárias. E, ainda, que as práticas da democracia se expandissem no âmbito estadual e nacional, e o que tivemos foi um retrocesso. O orçamento participativo não expandiu, ao contrário, parou e até regrediu como no caso de Belo Horizonte.

Outros espaços para o exercício da participação popular são os conselhos de políticas públicas e as conferências. Espaços legítimos de conhecimento e deliberação da agenda pública, que demonstraram vigor em fortalecer a democracia participativa. Espaços que avançaram na construção do diálogo entre sociedade civil e Estado, mas que também vivenciam desafios políticos e institucionais.

As experiências mostram que a participação popular só traz benefícios. Sabemos que não é possível fazer tudo de uma vez; é preciso fazer escolhas. São as pessoas que moram nas regiões, bairro e vilas, as famílias e os jovens que demandam a escola pública, o posto de saúde, que usam o transporte coletivo, os que são vítimas da violência e do descaso, que sabem quais são as suas necessidades e urgências.

Além dessa dimensão muito importante, a eleição das prioridades, outras vantagens cívicas se abrem com a participação popular. Crescem os vínculos de solidariedade e de sentimento comunitário na medida em que os participantes tomam conhecimento e discutem todas as reivindicações, possibilitando que as pessoas de uma comunidade se interem dos problemas das outras. Os cidadãos, por meio de delegados eleitos nas assembleias, acompanham a execução das obras, a implantação das políticas públicas sociais e se tornam parceiros importantes no combate à corrupção e à burocracia. Acompanham e fiscalizam também a qualidade das obras e dos serviços públicos.

Fica então a pergunta: por que parou? Por que não avançamos na construção dos espaços de exercício da democracia participativa? Será que não é o momento de “radicalizar” a democracia?

Teoricamente todos são a favor da participação popular. Mas por que não implementam? Porque a democracia participativa associada a mecanismos da democracia direta, muda o modelo da política tradicional, herdeira do coronelismo, que ainda prevalece entre nós. Na democracia participativa os governantes se despem do manto arrogante do poder e da autoridade, protetor de privilégios, e se assumem como servidores públicos. As pessoas deixam de ser súditos e passam a serem sujeitos cada vez mais conscientes de seus direitos e responsabilidades. Esses jovens que saíram das redes sociais e ganharam as ruas parecem gritar que não querem mais ser comandados e dirigidos, mas querem sim participar ativamente das decisões e da gestão dos bens públicos. Isso muda a relação entre governantes e governados, colocando-os no mesmo nível de interlocução. Há um clamor pela transparência e eficácia. Isso, a velha política fechada, elitista e burocrática não quer, porque os seus representantes vão perder espaços. Eles estão no passado e ainda acreditam em pessoas manipuladas, votos comprados e na submissão ao poder econômico para manter os seus “podres poderes”, na expressão de Caetano Veloso.

Então, queremos lutar pela reforma política, pela reforma do judiciário, mas é fundamental, e esse nos parece outro clamor que emerge das manifestações, que o povo amplie os seus espaços de poder e se torne cada vez mais sujeito e construtor de sua história. É hora de ampliarmos e aprofundarmos a democracia para que ela seja efetivamente “o governo do povo, pelo povo e para o povo.”