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Os nossos caminhos se encontraram, com certeza, nas poucas e aconchegadas ruas da Bocaiúva das nossas infâncias. Mas não guardo dele uma lembrança mais viva desses tempos. Eu era um pouco mais velho e não fomos colegas no grupo ou no ginásio.

O nosso encontro definitivo deu-se no curso médio, científico, quando formamos uma turma inesquecível, a primeira diplomada pela Escola Estadual Professor Gastão Vale.

Nede Caldeira Figueiredo foi o grande amigo dessa boa quadra da minha mocidade bocaiuvense. Formávamos uma dupla constante, que, com freqüência, se tornava um trio, quando a nós se integrava o admirável Eustáquio de Azevedo Coutinho, o Taquinho, ou Eustaquinho como Nede, afetuosamente, costumava chamar-lhe. Estudávamos juntos e ouvíamos música juntos – o gosto de Nede nunca mudou; permaneceu fiel aos velhos e bons boleros, samba-canções – tomamos juntos as primeiras pingas e cervejas, juntos desafinamos nas serenatas que fazíamos para as nossas colegas e outras bonitas moças bocaiuvenses, que essas, gerações sucessivas, sempre adornaram o cenário da nossa boa e generosa terra.

Descobrimos um modo de mudar a rotina dos nossos fins de semana. Íamos a cavalo para as roças de nossos familiares. Saíamos às sextas-feiras, depois das aulas, que eram noturnas. Viajávamos noite adentro, três, quatro léguas, curtindo a marcha boa dos animais. Nede tinha um cavalo esplêndido e dele se orgulhava. Do mesmo nível era Campeão, cavalo do meu irmão Galdino, que se tornou meu parceiro preferido naquelas andanças. Muitas vezes a gente se animava e soltava as rédeas dos animais fogosos em correrias desembestadas. Certa noite apostamos corrida com um carro. Coisas da mocidade, “tarefa para mais tarde se desmentir.”

A nossa conversa foi sempre franca e respeitosa. Nunca tivemos uma alteração. Nede era jeitoso, alegre, brincalhão, mas atento aos limites da boa prosa e da fraterna convivência.

Tinha uma vertente saudavelmente travessa. Preservou vida afora o espírito da infância, um jeito menino de ser. Mas era determinado e ousado. Leal aos amigos. Além das brincadeiras, dos comentários atentos e perspicazes e, muitas vezes, fraternalmente irônicos, havia as nuvens bem guardadas de uma tristeza recôndita, o gosto da solidão, a escolha seleta dos amigos. Conversava e brincava com muitos, guardava os recantos da amizade e dos segredos para muito poucos. Tive o privilégio de estar entre eles.

Terminamos o científico. Viemos para Belo Horizonte em 1972. Os três mosqueteiros. Nede não se adaptou. Parecia um peixe fora d’água, um desterrado. Captei-lhe o olhar entristecido, saudades dos gerais, do sertão bocaiuvense, das cavalgadas, do silêncio murmurante das noites roceiras. Logo retornou à terra.

Passamos a nos encontrar mais esporadicamente. Os nossos caminhos, por um tempo, se distanciaram nas curvas da vida. Mas quando nos encontrávamos era sempre a mesma e boa amizade, a alegria nos olhos, a retomada fácil de uma conversa que parecia interrompida ontem…

Há quase onze anos, janeiro de 2002, foi o encontro que marcou a retomada de nossa grande amizade. Foi na festa de Reis, no Alto Belo, no Pires e Albuquerque do passado, sob as bênçãos de Téo Azeredo. Vera e eu resolvemos ir. Não sabíamos que Nede estava lá. Pois estava e esticamos conversa noite adentro. Reminiscências, atualizações sobre filhos. Constantes o bem querer, a confiança, o elevado e mútuo apreço. Daí para cá os encontros e conversas se tornaram mais freqüentes. Guardo, com emoção, a lembrança do dia em que recebi um telefonema dele, em Brasília, para falar-me comovido da partida do Reinaldo, o nosso querido e saudoso Toninho de Lia.

Sempre soube que meu amigo, irmão Nede era desses que nós chamamos afetuosamente “bicho do mato”. Nada afeito às ligações telefônicas e outras formas modernas de conversação. Gostava mesmo era da conversa na mesa da cozinha, o fogão a lenha cozinhando o frango caipira e outras gostosuras da culinária rural bocaiuvense, a cerveja gelada e a cachacinha honesta aquecendo os corações e facilitando a circulação das palavras e sentimentos. Isso nós vivemos com ele nas últimas viagens a Bocaiúva, agora com a presença de outro grande amigo comum, o nosso Mário Caldeira Brant, Mirú.

O Natal em Bocaiúva dessa vez será mais alongado. A ida com calma, dia inteiro, à fazenda do Nede estava sendo previamente degustada. Seria mais um capítulo dessa amizade que nos acompanha vida afora.

De repente o telefonema estranho de Maria. O acidente na roça fazendo aquilo que tanto gostava, a sua irreprimível vocação de fazendeiro sim, mas, sobretudo, de vaqueiro, de cavaleiro andante, apascentador de rebanhos. Coloquei-me em campo. Conseguimos vaga no Sara Kubitscheck. Tudo daria certo. Assumi comigo mesmo o compromisso de estar com ele, de visitá-lo muitas vezes e conversarmos muito.

Na manhã nublada de uma quarta-feira, que se tornou de cinzas, viajando para o Sul de Minas, a notícia horrível, apunhalante, sem retorno: Nede nos deixara. Um vazio enorme! O mundo encolheu, entristeceu. Está faltando ele, “naquela mesa está faltando ele”, está faltando Nede, “e a saudade dele está doendo em mim”.

Vamos torná-lo presente em nossas memórias e corações. Vamos responder, chorando, mas com esperança e força ao chamado, como nas chamadas escolares, que o amigo não pode mais responder. Respondamos por ele, os seus filhos, a sua companheira, os seus irmãos e familiares, os amigos. Nede Caldeira Figueiredo está presente!