por Patrus Ananias
Não há crime, não há pena se não houver uma lei anterior que, de forma clara e objetiva, tipifique o crime.
A tipificação do crime pressupõe as provas que vinculem o acusado aos fatos considerados pela lei como criminosos.
Aprendi nas aulas de Direito Penal na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, com os saudosos professores Jair Leonardo Lopes e Ariosvaldo Campos Pires, que a prova testemunhal é a mais frágil e vulnerável das provas.
Depende, em primeiro lugar, do caráter da testemunha. A fragilidade da prova testemunhal transcende as possíveis qualidades morais do depoente; vincula-se aos limites inerentes aos sentidos e percepções da pessoa humana condicionada também pela sua compreensão da vida, seus valores, sua cultura, seus preconceitos, sua ideologia enfim.
Se a prova testemunhal apresenta tantas debilidades e contradições, as provas decorrentes da delação premiada são ainda mais vulneráveis. Os exemplos históricos não são edificantes: Judas entregando Jesus de Nazaré e, no plano nacional, a delação de Joaquim Silvério dos Reis sobre os Inconfidentes e, em especial, sobre a figura maior de nossa história, o alferes Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes.
Os poucos, pouquíssimos, países que adotam a delação premiada, fazem-no com muitos cuidados e precauções, na perspectiva de não tornar a delação um ótimo negócio para pessoas que violaram gravemente as leis.
No Brasil, a delação premiada tornou-se uma ótima saída para os criminosos sobre os quais pesam penas mais alongadas. Uma delação totalmente desvinculada de provas mais consistentes pode reduzir uma condenação de 30 anos para 2 ou 3 anos, pena a ser cumprida em casa com fartos proveitos financeiros.
Evidentemente o delator não terá constrangimentos na invenção de fatos que facilitem o trabalho, na perspectiva de mais dura condenação, de juízes movidos claramente pelo desejo condenatório em face de suas manifestas posições ideológicas e políticas contrárias à posição dos réus, como é, notoriamente, o caso do juiz Sérgio Moro em relação ao presidente Lula.
A delação premiada fica ainda mais comprometida e expõe os seus limites e contradições quando se adota, como ocorre no Brasil, a perigosíssima Teoria do Domínio do Fato, que viola diretamente as normas do Direito Penal e as garantias constitucionais do Estado Democrático de Direito. O Ministério Público, para apresentar as razões da acusação, e o juiz, para fundamentar a sua decisão, se dispensam de considerar as provas. Bastam as presunções, as convicções pessoais direcionadas no desejo incontido de condenar, sem considerar as nuances, as circunstâncias atenuantes ou agravantes de cada caso.
Entram aí, mais uma vez, as questões ideológicas e até mesmo questões relacionadas com o fundamentalismo religioso.
Os integrantes do Ministério Público, do Poder Judiciário, como todos nós, não estão imunes às questões ideológicas. Estas perpassam toda a sociedade e dizem respeito às disputas políticas, econômicas, culturais; disputas, conflitos que permeiam a sociedade e incidem no campo dos valores.
Vivemos hoje no Brasil e na maior parte do planeta uma hegemonia do capitalismo sem limites e sem fronteiras. Vale o dinheiro, vale o lucro a qualquer preço. É o domínio absoluto dos negócios e da propriedade privada, sem deveres e obrigações sociais, em detrimento dos valores coesionadores da sociedade, como o bem comum e a justiça social.
Os juízes, desembargadores, ministros, integrantes do Poder Judiciário – importa reiterar! – não são imunes a essas disputas ideológicas que se travam no interior da sociedade em torno de projetos. Alguns, senão muitos, assumem os valores e as práticas do neoliberalismo, do privatismo, do individualismo, e levam essa visão reduzida e distorcida do mundo para os seus julgamentos. Os princípios e as normas jurídicas referenciados na Constituição que confirmam o ordenamento jurídico são passíveis de leituras, interpretações e aplicações que refletem a visão de mundo dos intérpretes e julgadores.
Esta interpretação das leis a partir de um claro viés político e ideológico leva ao chamado lawfare, que ocorre quando “as instituições são abusivamente utilizadas para perseguição de um adversário político”, como nos ensina o professor Ricardo Lodi Rodrigues.
Cabe, por último, uma reflexão sobre a pressa no julgamento do presidente Lula. Se todos os processos pendentes em nosso país fossem julgados com a mesma presteza teríamos um dos judiciários mais eficazes do mundo.
Assim a aplicação do Domínio do Fato; a acolhida sem constrangimentos da delação premiada dissociada de provas documentais autênticas; a inequívoca postura ideológica e o manifesto desejo de condenar dos magistrados, configurando a lawfare; a pressa no julgamento que dispensa provas e melhores fundamentações teóricas deixam clara a hostilidade ao presidente Lula. Tudo isso configura um julgamento político que teve a orientá-lo uma decisão anterior ao próprio julgamento: condenar o presidente Lula para impedir que ele volte a governar o Brasil.