Posts recentes

Leia, a seguir, os principais trechos do depoimento prestado ao longo de mais de quatro horas nesta segunda-feira, 27, pelo deputado Patrus Ananias, à Comissão Especial do Impeachment, na condição de testemunha de defesa da presidente Dilma Rousseff.

patruas ananias senado

PATRUS ANANIAS – Eu estou aqui como testemunha e também como advogado, professor de Direito da PUC-Minas há 35 anos. Tenho a minha carteira de trabalho aberta até hoje, desde abril de 1979. E eu quero, nessa condição de advogado histórico, militante, professor de Direito, trazer a minha contribuição, para uma reflexão mais ampla, sobre essa questão do impedimento da Presidenta Dilma. Eu penso que essa questão não pode se restringir a aspectos específicos, desconsiderando o paradigma do Estado democrático de direito. Nós temos, hoje, em face da Constituição brasileira – a Constituição de 5 de outubro de 1988 –uma nova hermenêutica constitucional; nós temos uma Constituição principiológica…
SENADOR RAIMUNDO LIRA, PRESIDENTE DA COMISSÃO (PMDB – PB) – Um momentinho, Sr. Patrus Ananias.
PATRUS ANANIAS – Pois não.
PRESIDENTE – Eu me esqueci de informar, inicialmente, que a testemunha só pode falar exclusivamente sobre os assuntos contidos na Denúncia nº 1/2016. Deixe-me explicar, por favor. O que ficou definido como critério, nesta Comissão, é que o Senador, na condição de Senador, poderá falar qualquer assunto que achar conveniente, logicamente assumindo a responsabilidade pelo que está falando, e a testemunha fica restrita exclusivamente aos assuntos contidos na Denúncia nº 1/2016. Esse é o critério. Isso aqui é um processo judicial, tem que haver critério, e é exatamente isso que vai acontecer.
PATRUS ANANIAS – Sr. Presidente, estamos aqui diante de uma situação que merece ser esclarecida, porque sou Deputado Federal, sou advogado reconhecido em Minas Gerais, professor de Direito, membro da Academia Mineira de Letras, uma pessoa com uma história de vida digna, transparente, e quero discutir as questões relacionadas com as chamadas pedaladas dentro do Texto Constitucional. Pergunto a V. Exª: a Constituição do Brasil, então, está impossibilitada de ser discutida neste plenário?
PRESIDENTE – Na condição de testemunha, V. Sª está restrito exclusivamente aos assuntos contidos na Denúncia nº1/2016. Todos nós sabemos da personalidade que V. Sª representa, poderia estar aqui, inclusive, no lugar do Advogado de Defesa, pela competência pela história, pelo se prestígio, mas V. Sª vai ter que se submeter a este processo na condição de testemunha e responder exclusivamente sobre o que está contido na Denúncia nº1/2016.

+++++++++++++++++++++++++++++++

PATRUS ANANIAS – Eu vim para cá com o espírito desarmado, convicto de que nós discutiríamos aqui, no Senado Federal, a mais alta instância legislativa do País, os temas afeitos a esta convocação numa perspectiva da Constituição da República Federativa do Brasil, dos princípios constitucionais, das diretrizes constitucionais. Não sendo possível, eu tentarei me ater às perguntas que forem formuladas, por mais direcionadas que sejam.

===============================

PATRUS ANANIAS –A minha expectativa é que nós pudéssemos discutir a questão do impedimento da Presidente da República à luz do ordenamento jurídico brasileiro e não a partir de um fatozinho específico sobre o qual pairam muitas dúvidas e controvérsias.
A mim parece que o impedimento com base em um fatozinho específico, ainda que houvesse ocorrido, ad argumentandum, como nós dizemos no Direito, não poderia ser considerado sem que nós fizéssemos uma avaliação dos princípios e das normas constitucionais, pois se de um lado nós temos as questões relacionadas a responsabilidades fiscais, etc., nós temos também diretrizes constitucionais que obrigam políticas que promovam a justiça social, que promovam a inclusão.
Nós temos normas constitucionais, princípios constitucionais como o art. 3º da Constituição, por exemplo, que é todo voltado para este aspecto. Então, eu deixo clara a nossa posição de que em nenhum momento essa questão foi colocada nesses termos.

=============================

PATRUS ANANIAS – Sou pessoa disciplinada. Quando comecei aqui, achei que fôssemos ter uma conversa mais aberta, uma conversa mais democrática, mais plural, tendo como referência o texto constitucional, mas fui advertido de que deveria me ater às questões fáticas única e exclusivamente. Agora vou me permitir colocar aqui o meu sentimento com relação a isso. Está na hora de o Brasil mandar a conta para os mais ricos, está na hora de o País estabelecer uma verdadeira justiça social, está na hora de o País cobrar imposto sobre as grandes propriedades urbanas e rurais, está na hora de nós discutirmos a questão do imposto sobre as grandes fortunas, heranças e o capital rentista no Brasil.

==============================

PATRUS ANANIAS – Nós temos no Brasil uma inadimplência histórica. Nós temos uma inadimplência com os pobres do Brasil! Uma inadimplência secular, de mais de cinco séculos, com as trabalhadoras e os trabalhadores rurais sem terra, no Brasil. Nós temos uma dívida secular, uma inadimplência com as herdeiras e os herdeiros da escravidão; com as comunidades indígenas que nos antecederam aqui, neste grande e querido solo brasileiro.
Então, a Administração Pública, muitas vezes, tem que fazer as suas opções, as suas escolhas. Eu estou aqui diante do art. 3º da Constituição da República Federativa do Brasil:
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II – garantir o desenvolvimento nacional;
III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Então, muitas vezes, a gestão pública – e eu falo também como ex-Prefeito de Belo Horizonte –, tem que fazer escolhas entre muitas inadimplências, e, às vezes, eu entendo que é melhor resgatarmos a responsabilidade, uma dívida social histórica e garantirmos a vida das pessoas, a dignidade, do que eventualmente ficarmos com a dívida um pouquinho, alguns dias, com bancos e outros espaços que podem esperar mais do que as pessoas de famílias pobres.

PATRUS ANANIAS – Eu não tive nenhum conhecimento de pedalada fiscal, até porque é uma expressão que foge à minha cultura jurídica, aos meus conhecimentos. O que tenho conhecimento é que nós viabilizamos, em 2015 para 2016, o Plano Safra, que tem durabilidade de um ano. Nós lançamos em 2015, por volta do mês de maio, o Plano Safra 2015/2016 e lançamos, este ano ainda, no mandato do Governo da Presidente Dilma, no seu Governo legítimo, em 2016, por volta do mês de abril, o Plano Safra.
Dentro do Plano Safra, nós temos o Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar), que é um programa que vem sendo ampliado ano a ano. Para se ter uma ideia, em 2002, 2003, foram em torno de 2 bilhões. Este ano, 2016/2017, nós colocamos o Pronaf na casa dos R$30 bilhões. Então, a cada ano, vêm sendo feito os reajustes. São os recursos destinados à agricultura familiar. Como existe também o Plano Safra destinado à chamada agricultura empresarial, com os mesmos – até mais –, basicamente com os mesmos subsídios.
É importante lembrar, então que no Plano Safra, além do Pronaf, não há nenhuma participação do Governo, muito menos do Ministério, no Governo da Presidenta.
É um recurso repassado pelo Banco do Brasil diretamente aos agricultores, é um empréstimo, com juros subsidiados, em função da atenção que merece, em todo o mundo, a agricultura. Todos nós sabemos que a agricultura – inclusive a grande agricultura, o chamado agronegócio, a agricultura de exportação –, também é subsidiada, assim como é subsidiada a agricultura nos Estados Unidos, na França, em todos os países. Agora, não há uma relação governamental, direta, com os agricultores. O que ocorre, no caso, é a equalização, com referência aos juros.
E eu insisto em dizer também, no finalzinho do tempo que me resta, que o Plano Safra vai muito além do Pronaf. E eu me disponho também, aqui, a responder a questões e perguntas relativas a esses outros programas do Plano Safra.

PATRUS ANANIAS –Eu fui podado por tecer considerações jurídicas mais profundas, relacionadas com a questão do impedimento.
Então, vamos nos ater às questões objetivas: eu assumi, em janeiro de 2015, o honroso convite da Presidenta Dilma Rousseff, Presidente eleita constitucionalmente do Brasil, para assumir o Ministério do Desenvolvimento Agrário, onde estivemos até o dia do afastamento, que espero seja temporário, da Presidenta Dilma. Estivemos lá, portanto, um ano e alguns meses.
Não fui chamado para ser Ministro da Fazenda ou consultor. Fui chamado para pensar a agricultura familiar no Brasil, para pensar a reforma agrária no Brasil, para desenvolver a agricultura familiar, na perspectiva da agroecologia, do cooperativismo, procurando agregar valor à agricultura familiar.
Foi com esse compromisso que nós assumimos o Ministério do Desenvolvimento Agrário; foi com esse compromisso que nós preparamos o Plano Safra 2015/2016 e o Plano Safra 2016/2017, que, infelizmente, não está sendo implementado. Nem sequer os documentos relacionados a ele foram assinados. Corre-se, inclusive, o sério risco de os recursos não serem implementados a partir de julho. Aí não teríamos mais um problema de responsabilidade fiscal, mas, com certeza, um problema mais grave, de responsabilidade social.

VANESSA GRAZZIOTIN (Bloco Socialismo e Democracia/PCdoB – AM) –
O Tribunal de Contas alguma vez informou, que V. Exª tenha tido conhecimento, que o atraso do Plano Safra se referia a alguma operação de crédito? Ou seja, o senhor recebeu alguma informação, alguma notificação? Algum órgão de controle interno ou órgão jurídico chegou à conclusão sobre a existência de operação de crédito nessa relação da União com os bancos públicos em relação à equalização do Plano Safra?
PATRUS ANANIAS – Os recursos relacionados com o Pronaf já vinham se desenvolvendo há alguns anos. É importante lembrar que, pelo menos há aproximadamente 20 anos, nós temos o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf). Então, nós encontramos o Programa já com sua estrutura básica, inclusive com sua estrutura de financiamento, que tem como referência principal, mas não exclusiva, o Banco do Brasil, operando também, em nível menor, com outros bancos, eventualmente até com cooperativas, em algumas situações também com bancos públicos, como o Banco do Nordeste e o Banco da Amazônia.
Nunca, pessoalmente, como Ministro, recebi qualquer informação do Tribunal de Contas da União, com o qual sempre mantive uma relação de diálogo, inclusive visitando os ministros e recebendo-os também, sempre buscando orientações. Em nenhum momento, recebi qualquer informe sobre esse aspecto, como também, até onde sei, os órgãos do Ministério, nossos órgãos de avaliação, consultoria jurídica, controladoria, até onde estou informado, em nenhum momento, foram esclarecidos sobre isso.

PATRUS ANANIAS – Não há nenhuma operação de crédito entre o Banco do Brasil e o Governo Federal, no caso, ou a República Federativa do Brasil ou a União. É uma relação entre o Banco do Brasil – e outros bancos que participam também de forma mais marginal, mas presentes também – diretamente com as agricultoras e os agricultores familiares. É uma relação direta com eles. Não há nenhuma relação envolvendo, no caso, o Governo Federal, que entra nesse processo, é claro, como mediador implementando essas ações.
Eu já lembrei também aqui, e quero reiterar, que dentro do Plano Safra nós temos o Pronaf, que é o caso que V. Exª menciona, que são esses recursos repassados pelos bancos, especialmente pelo Banco do Brasil, aos agricultores familiares, e nós queremos cada vez mais que esse programa se amplie para as cooperativas, atendendo também outros agricultores familiares que têm maiores dificuldades hoje etc.
Mas não há nenhuma operação de crédito envolvendo a União e o Banco do Brasil ou outras agências bancárias, outros bancos. É importante lembrar também que o Plano Safra vai muito além do Pronaf, com políticas públicas as mais variadas, voltadas para o desenvolvimento da agricultura familiar. Por exemplo, no último Plano Safra que nós lançamos, a Presidenta Dilma Rousseff consolidou a Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Anater), cujo Presidente, infelizmente, como outro Diretor, já foram demitidos – a nosso ver, de maneira indevida, pelo atual Governo interino.

ANA AMÉLIA (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PP – RS)
Está na lei orçamentária, nos últimos exercícios financeiros foi observado o crescimento nas as dotações orçamentárias destinadas às ações relativas ao Plano Safra ao passo que a execução financeira dessas ações foi cada vez menor
Dito de outra forma, a previsão orçamentária era grande, ao passo que a liberação dos recursos efetivos para o produtor não acompanhava esse crescimento. Os bancos não liberavam os recursos. Nesse contexto, e tratando especificamente do exercício de 2015, foram noticiadas diversas dificuldades encontradas pelos produtores rurais para obtenção de financiamento do crédito rural. E essas dificuldades são relatadas fartamente em diversos sítios na internet.
Dessa forma, Exmº Sr. Deputado Patrus Ananias, eu questiono V. Exª em que medida as pedaladas fiscais que consistem em atrasos reiterados e sistemáticos por parte do Tesouro aos bancos públicos contribuíram para uma menor concretização dos objetivos dos programas relacionados ao Plano Safra?
PATRUS ANANIAS – Senadora Ana Amélia, as informações e os dados que nós temos são diferentes, são divergentes. No Plano Safra da agricultura familiar e dentro dele o Pronaf, no período de 2015 e 2016, que nós pudemos acompanhar, os recursos destinados ao Pronaf eram, se não me falha a memória, de 25,9 bilhões; em torno disso, entre R$25 bilhões e R$26 bilhões. E nós acompanhamos, até o início deste ano, até abril, maio, e os recursos que estavam chegando efetivamente às agricultoras e aos agricultores familiares ultrapassavam já a casa dos R$20 bilhões.
Então, os recursos estavam, sim, com todo respeito a V. Exª, chegando aos seus destinatários, no caso agricultoras e agricultores familiares, o que nos levou este ano, 2016 e 2017, a elevar os recursos do Pronaf para a casa dos R$30 bilhões, além de várias outras ações destinadas a promover o desenvolvimento da agricultura familiar, porque nós entendemos que os recursos de apoio e financiamento através dos bancos, relação direta dos bancos com os produtores, é fundamental, mas nós buscávamos também outras formas de promover o desenvolvimento da agricultura familiar através do apoio ao cooperativismo, ao Programa Mais Gestão; através do apoio efetivo à assistência técnica e também ao extensionismo, à extensão rural. Através do apoio à agroecologia.
Este ano, inclusive, nós conseguimos estabelecer, a meu ver, uma coisa notável para 2016 e 2017.
Nós estabelecemos condições mais adequadas para o financiamento para aquelas agricultoras e aqueles agricultores familiares que fossem efetivamente produzir alimentos para a mesa da população brasileira. E na mesma linha, o apoio àqueles que se dispusessem, ou que se dispunham, ou que se dispõem – nós esperamos que esse programa continue, para o bem da agricultura familiar brasileira – a fazer a agricultura saudável: a agroecologia, a produção de alimentos que efetivamente promovam a vida, a saúde das pessoas. Então, é um conjunto de ações que vem apresentando resultados muito positivos.
Sobre esse aspecto, eu gostaria muito de discutir aqui com as Senadoras e com os Senadores sobre os impactos positivos dos dois Planos Safras que encaminhamos: o de 2015 e o de 2016, que pudemos acompanhar.
Infelizmente nós lançamos o de 2016 e o de 2017, mas as informações que temos, até agora, é de que todas as ações por nós anunciadas, com recursos, estão paralisadas.

PATRUS ANANIAS – Eu só gostaria, Senadora, com todo respeito a V. Exª – e é um respeito real e não apenas deste momento –, que nós pudéssemos trabalhar com números. Eu apresentei aqui números – inclusive, números de memória –, porque acompanhávamos efetivamente o processo e vivíamos os desafios da agricultura familiar –, para que tenhamos exatamente que o Pronaf… E que há desafio nós não temos dúvida; eu mencionei um aqui.
Há, no Brasil, um número grande e significativo de agricultoras e agricultores familiares ainda muito pobres, que não têm condições de ter essa relação com os bancos, especialmente com o Banco do Brasil, na perspectiva dos recursos repassados. Nós teríamos que pensar em outras modalidades, como já estávamos pensando no sentido de repasses a fundo perdido, porque são pessoas que moram longe, não têm acesso aos mercados. E temos uma agricultura familiar mais desenvolvida, já incorporando agroindústria, comercialização o programa da compra direta, que eu mencionei aqui, acesso aos mercados. Então, são situações diferenciadas.
Há também, é claro, agricultores familiares que moram em locais mais distantes, o que dificulta o acesso aos bancos, sim. Muitas vezes, o banco também tem dificuldade de operar. Nós sabemos que há muitos agricultores familiares que têm a posse do terreno, são posseiros, mas não têm o título de propriedade e têm dificuldade, às vezes, de organizar os documentos necessários. De todos esses problemas nós sabemos.
Agora, há um dado objetivo de que, eu acho, nós não podemos fugir, porque está traduzido em números, pesquisas, que é o número crescente dos recursos e o número crescente de pessoas que obtêm esses recursos para o desenvolvimento da agricultura familiar, o que não nos impede de pensar, com efeito, naquelas pessoas, famílias e, às vezes, comunidades inteiras, comunidades quilombolas, populações tradicionais, que também têm mais dificuldade de acessar esses créditos.

PATRUS ANANIAS – Nos meus tempos de estudante, nas aulas de Direito Administrativo, com o saudoso Professor Paulo Neves de Carvalho, na Universidade Federal de Minas Gerais, eu aprendi que nós não devemos pensar os contratos que, de alguma forma, repercutem no interesse público, no bem comum, no interesse coletivo, como sendo contratos regidos pelo Direito Civil. São contratos sempre regidos pelo Direito Administrativo à luz dos princípios e normas constitucionais, tendo como questão de fundo o interesse público.
E eu considero fundamental examinarmos a questão do Plano Safra e, especificamente, do Pronaf à luz do interesse público, à luz do bem comum. Quando entra em discussão o interesse público, o bem comum, o interesse maior da coletividade, o interesse nacional, a balança fica desequilibrada. E é justo que fique, porque nós temos que garantir o interesse maior da coletividade. O Direito Civil é para disciplinar, basicamente, relações de interesse particular, de interesse privado.
Na minha modestíssima opinião, eu não consigo entender como é que se julga um mandato de uma Presidente da República com data e um fato específico, e não considerando, como um todo, a análise e o estudo da Constituição, considerando a Constituição dentro dos seus princípios e das suas normas.
Não é possível, hoje dentro de uma Constituição principiológica, nós trabalharmos questões de interesses públicos tão relevantes, como estamos discutindo aqui, tratando especificamente desta ou daquela norma. As normas devem ser observadas na sua integralidade, no seu conjunto. E o que unifica tudo isso, em torno da Constituição, é o interesse maior da coletividade.
A que se destina a Constituição? Ela se destina a promover o bem comum, a promover a justiça. Por isso nós temos, aqui na Constituição, além do Preâmbulo – que eu não vou ler, respeitando o tempo de V. Exªs –, os arts. 1º, 2º e 3º, que são artigos diretivos, principiológicos; estabelecem as normas estratégicas da Constituição. No meu entendimento, nenhuma reflexão, nenhuma hermenêutica constitucional pode ser feita sem que nós consideremos esses princípios que determinam o rumo, os objetivos maiores da Constituição da República Federativa do Brasil.

PATRUS ANANIAS – Parece-me inteiramente fora de propósito trabalharmos só a dimensão do orçamento sem contextualizarmos o orçamento nas diretrizes orçamentárias, no Plano Plurianual e esses todos, por sua vez, no Texto Constitucional.
É impossível hoje – e falo também com a experiência de quem já foi Ministro duas vezes, Prefeito de uma cidade grande, como Belo Horizonte – o gestor, por mais determinado que seja, ter o acompanhamento de todas as coisas. É por isso mesmo que ele tem secretários, ministros; existe a administração direta, a administração indireta, com as suas atribuições e responsabilidades próprias.
Existem atribuições que são responsabilidades próprias das pessoas que exercem as funções específicas nos ministérios, no caso do Governo Federal, e nas secretarias, no caso dos Governos estaduais e municipais, lembrando também, inclusive, que existem os órgãos da administração indireta.
Então, não podemos exigir hoje que o Chefe do Executivo tenha conhecimento de todos os dados. Mas quero encerrar, dizendo isto: mesmo que nós admitíssemos o conhecimento desses fatos, para efeito de argumentação, penso que eles não poderiam ser discutidos fora de um contexto mais amplo das prioridades governamentais.

PATRUS ANANIAS – No Plano Safra nós trabalhamos com três pontos fundamentais da agricultura familiar: o crédito, o recurso – e aí é o Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar); a assistência técnica, e nós conseguimos consolidar com muito trabalho e com o apoio da Presidenta Dilma a Anater (Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural), infelizmente hoje ameaçada na sua concretização; e também um outro ponto fundamental para nós é a questão do cooperativismo. A união faz a força! Numa sociedade competitiva como a nossa, é muito difícil um agricultor, um agricultor familiar dar conta sozinho. Daí a importância do associativismo, do cooperativismo, e nós vinculamos também essa dimensão à dimensão da agroecologia, à questão da produção de alimentos que efetivamente promovam – eu já disse aqui e estou reiterando, que eu considero um tema fundamental –, alimentos que promovam a vida, a saúde das pessoas.
de sementes transgênicas, e discutirmos muito também a questão de como agregar valor à agricultura familiar, a agroindústria, o acesso aos mercados, a comercialização, e com muita alegria também que nós discutíamos e implementamos avanços do desenvolvimento territorial.
Para nós desenvolvermos a agricultura familiar, nobres Senadoras, Senadores, nós precisamos também levar políticas públicas outras para a agricultura familiar, ações integradas. É fundamental, para preservarmos as crianças e os jovens no campo, as mulheres, que levemos políticas públicas relacionadas com educação, com a saúde, com a cultura, com a infraestrutura, estradas vicinais, acesso aos mercados. E foi tudo isso que nós vivemos, com muita alegria, sob a liderança da Presidenta Dilma. E devo aqui também, abrindo meu coração, dizer que vejo com tristeza que essas ações e essas conquistas estão hoje sendo rigorosamente desconsideradas.

PATRUS ANANIAS – A questão da agricultura familiar, além de ter uma incidência direta nas agricultoras e agricultores familiares, preservando vínculos e valores familiares, comunitários, mantendo as pessoas no campo, gerando trabalho, renda, preservando a dignidade dessas pessoas, tem também uma dimensão fundamental na alimentação do povo brasileiro.
Nós sabemos que o agronegócio, a agricultura de exportação, o nome já diz: é para exportar. 70% dos alimentos que estão na mesa do povo brasileiro – lembrando que em 2014 uma conquista histórica que nós não podemos esquecer, em 2014 a FAO, a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação, retirou o Brasil do mapa da fome. Isso tem muito a ver com o desenvolvimento da agricultura familiar no Brasil com apoio dado à agricultura familiar nos últimos anos, especialmente dos governos Lula e Dilma. E essa questão é fundamental. Para mantermos a segurança alimentar, o direito à comida da população brasileira, é fundamental mantermos as políticas públicas que garantem o apoio, o desenvolvimento da agricultura familiar no Brasil.
Quero concluir fazendo referência a um programa que é esplêndido – é, com muita tristeza, que a gente assiste mesmo o seu esfacelamento – que é o Programa de Aquisição de Alimentos da agricultura familiar, o nosso PAA, que trabalha nas duas pontas: de um lado, garante o preço justo à agricultora, ao agricultor familiar na safra, paga um preço justo; e, na outra ponta, com os alimentos comprados, o Governo dá assistência a pessoas, famílias, comunidades em situação de vulnerabilidade alimentar, garantindo esse direito que é fundamental, que é o primeiro degrau da cidadania, da dignidade humana, que é o direito à alimentação.

PATRUS ANANIAS – Enquanto estive à frente do Ministério, como Ministro do Desenvolvimento Agrário, em nenhum momento, pessoas ligadas ao Banco do Brasil, como diretores, ou ministros ou mesmo técnicos do Tribunal de Contas da União me falaram sobre as chamadas – ou mal chamadas – pedaladas fiscais relacionadas ao Pronaf. Em nenhum momento. E eu quero dizer aqui que sempre tive relações respeitosas, inclusive visitando a direção do Banco do Brasil e participando de eventos, assim como visitei também e recebi no meu gabinete ministros e funcionários qualificados para discutir assuntos técnicos relacionados com o Tribunal de Contas da União. Em nenhum momento, esse assunto se colocou. Nenhuma vez.
Com relação à importância do Pronaf, eu já tive oportunidade de falar aqui algumas questões, os aspectos positivos. Eu penso que o Pronaf cumpre um papel fundamental para garantir, assegurar o que eu considero o primeiro degrau da cidadania, da dignidade humana, do direito à vida que é o direito à alimentação, a segurança alimentar e nutricional, lembrando, como já foi dito aqui também, que em torno de 70% da alimentação do povo brasileiro vêm da agricultura familiar. Daí a sua importância, porque nós sabemos que o chamado agronegócio está voltado para exportação e acompanha os mercados externos. A agricultura familiar está voltada para assegurar a segurança alimentar e nutricional do povo brasileiro.
Outro aspecto fundamental que considero no Pronaf é manter as famílias no campo. Além da produção, que é fundamental, além de estarmos garantindo trabalho e geração de renda, nós estamos também preservando vínculos e valores familiares, comunitários. Nós sabemos que um dos grandes problemas do Brasil, que nós, inclusive, dos grandes problemas do Brasil que nós inclusive enfrentamos hoje foi o crescimento desordenado das cidades, especialmente das grandes cidades, regiões metropolitanas, por conta dos grandes fluxos migratórios que nós tivemos no Brasil, especialmente nos anos 1960 e 1970, por não termos políticas de apoio à agricultura familiar no Brasil. Então esse papel fundamental também de coesão da sociedade brasileira.
O outro aspecto que eu disse também aqui, e quero sempre reiterar, que eu acho que é da maior importância é a questão da agroecologia, a questão da produção de alimentos saudáveis. Essa é uma discussão que a sociedade brasileira tem que fazer. E que nós avançamos no Governo da Presidenta Dilma, com o Pronaf e com os programas de apoio à agricultura familiar.

PATRUS ANANIAS – No lançamento do Plano Safra deste ano, um grande avanço foi que nós estabelecemos condições especiais de financiamento junto ao Banco do Brasil para os agricultores que fossem produzir alimentos para o consumo interno da população brasileira: arroz, feijão, hortigranjeiros, etc., mandioca, farinha, aquilo que o povo brasileiro come. E, ao mesmo tempo, nós estabelecemos também um acompanhamento maior para aqueles que se dispusessem a produzir, sem o uso de agrotóxicos, alimentos saudáveis que efetivamente promovam o bem estar das pessoas, das famílias. Então, foi um outro momento importante.
Para conseguirmos esses objetivos, nós sempre trabalhamos a perspectiva da assistência técnica. Eu estou colocando isso aqui com ênfase porque também já vamos colocar com clareza as coisas. Assim como foram lembrados aqui os recursos retirados do PAA (Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar), foram retirados também os recursos destinados à assistência técnica às cooperativas. Centenas de cooperativas, milhares de pessoas foram penalizadas com a retenção desses recursos depois do afastamento – que nós esperamos temporário – da nossa Presidenta Dilma Rousseff.
Um outro aspecto que eu considero muito importante dentro da perspectiva da agricultura familiar, e que é um desafio que se coloca para nós – eu comecei a falar da última vez e avanço um pouquinho mais neste momento –, é nós integrarmos a questão urbana e a questão rural. Eu falei aqui que nós temos no Brasil 5.560 Municípios – se eu estiver enganado, é um pouquinho mais, a memória pode estar me traindo. Desses 5.560 Municípios, mais de 5 mil Municípios têm menos de 50 mil habitantes; mais de 4 mil Municípios têm menos de 20 mil habitantes. Nós estamos diante de Municípios rurais, então nós temos que trabalhar também essa integração da territorialidade, em que nós temos Municípios, pequenas cidades que são voltadas para a agricultura familiar. E esses Municípios podem ser pontos estratégicos de acolhimento de políticas públicas que beneficiem as comunidades, os assentamentos, as agricultoras e agricultores familiares no entorno dessas comunidades. Eu penso que um desafio que nós temos, até na perspectiva de avançarmos com a questão da reforma agrária, da reforma urbana, é buscarmos cada vez mais a convergência entre a questão rural e a questão urbana.
Uma coisa que eu vi dos movimentos sociais rurais que me marcou muito: se o campo não planta, a cidade não janta. Então, nós temos… A terra que está nas cidades é a mesma terra do campo. Nós temos hoje, inclusive, uma grande questão também, que é a questão da agricultura urbana: aproveitamento de espaços vazios para a produção de alimentos. Nós temos um desafio que é comum às cidades e ao campo, a questão da água. A produção de alimentos saudáveis, da agroecologia, interessa profundamente às pessoas das cidades. Então, são esses desafios que se colocam hoje e nos quais eu penso que nós estávamos avançando, caminhando para novos horizontes da agricultura familiar do Brasil. E é com um pesar enorme que a gente vê a possibilidade de que esses avanços, essas conquistas venham a ser travadas, pelo menos temporariamente.