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Celebrar o 7 de setembro e pensar o processo emancipatório nacional nos faz voltar aos dias da independência. Foi um processo muito singular. A nossa independência foi proclamada pelo príncipe herdeiro da coroa portuguesa. O Brasil indenizou Portugal pela perda da sua colônia. Nas palavras do historiador Boris Fausto na sua História do Brasil: “Isto ocorreu em 1825 por um tratado em que o Brasil concordou em compensar a metrópole em dois milhões de libras pela perda da antiga colônia (…) a necessidade de indenizar a coroa portuguesa deu origem ao primeiro empréstimo contraído pelo Brasil em Londres”. Saímos do domínio político de Portugal e caímos nos braços econômicos da então superpoderosa Inglaterra.

A plena independência de um país se faz em dois níveis: em relação aos demais países, no exercício efetivo da soberania nacional; e em relação ao seu próprio povo, garantindo-lhe dignas condições de vida para que possa exercer a soberania popular, prevista na nossa Constituição.

Tivemos então ao longo do século XIX a forte presença econômica para não dizer domínio da Inglaterra. Tivemos alguns entreveros e chegamos a romper relações que não chegaram a quebrar a hegemonia inglesa que se fazia dominante mundo afora.

O século XX assistiu à crescente presença dos Estados Unidos, que passaram a ver a América Latina como uma extensão de seus interesses. O Brasil não fugiu ao crescente domínio econômico, cultural e ideológico da nova potência mundial. Surgiram outros atores no cenário mundial, a antiga União Soviética, a Europa reerguida após a 2ª Guerra Mundial, o Japão, mais recentemente a China. O Brasil, em alguns momentos históricos deu bons sinais de que romperia com a nossa economia dependente. Tais sinais não se efetivaram. Continuamos produzindo segundo as demandas do mercado externo, sem considerarmos as nossas próprias necessidades e potencialidades. Um país exportador de matérias- primas. Quando buscamos ampliar a nossa indústria, abrimos as nossas fronteiras ao capital estrangeiro. Esquecemos as lições de muitos países, começando pela Inglaterra e Estados Unidos, que aprenderam que o capital se faz em casa, como nos ensinou o notável nacionalista Barbosa Lima Sobrinho, no seu livro sobre o Japão.

Caímos na ilusão que perdura nos nossos dias que capitais estrangeiros vão promover o nosso desenvolvimento e bem-estar. A rigor, eles buscam em primeiro lugar os seus lucros, que sempre retornam aos seus donos e acionistas em seus países de origem.

Tivemos importantes momentos históricos em que se buscou afirmar o projeto nacional, com a criação de empresas públicas como a Petrobras, a Eletrobras e a Cemig no setor energético, a Vale do Rio Doce, a Embrapa no setor agrícola. Essas e outras empresas públicas surgiram em face da incapacidade ou omissão do setor privado. Depois que as empresas ganham porte e abrem as portas do conhecimento e da produção, elas são privatizadas como está ocorrendo agora. Mais do que privatizadas, são quase sempre entregues ao capital estrangeiro.

Quando voltamos para o plano interno e falamos da soberania popular, vinculamos a independência ao exercício dos direitos e deveres da cidadania que se articula com o acesso aos direitos fundamentais, presentes e bem explicitados em nossa Constituição. Nem sempre efetivados. Na atual conjuntura estão sendo duramente agredidos.

Os detentores do poder no Brasil tentaram conciliar a independência com a escravidão, que atravessou quase todo o período imperial. A rigor, o pesado fardo da escravidão nos acompanha. A Lei Áurea não assegurou aos nossos antepassados escravos e aos seus descendentes o acesso à cidadania. É uma das causas das injustiças e desigualdades sociais que marcam o nosso país.

Mantiveram os donos do poder o direito de propriedade absolutamente sacralizado, acima do direito à vida, concepção herdada das capitanias hereditárias e sesmarias. Estamos indo século XXI afora sem termos subordinado o direito de propriedade, em princípio legítimo, às exigências superiores do bem comum nacional. Por isso não realizamos as três reformas sociais básicas que os países capitalistas mais acertados consigo mesmo realizaram: reformas agrária, urbana e tributária. Esta no sentido de exigir um justo e razoável retorno dos que mais ganham dentro do espaço nacional.

Cabe portanto no dia em que celebramos a nossa independência de Portugal confrontarmo-nos com algumas perguntas para que possamos abrir as portas do futuro. Somos um país plenamente independente para definirmos as nossas prioridades nacionais e em função dela os rumos da nossa economia? O povo brasileiro vive a sua liberdade e independência, se considerarmos que ainda perduram entre nós as amarras da fome, da miséria, da ignorância, das doenças que podem ser eficazmente prevenidas e combatidas? Se ainda perduram entre nós as travas seculares que impedem o acesso de todas as brasileiras e brasileiros à moradia digna,  ao trabalho decente, ao meio ambiente saudável? O acesso aos bens da cultura, da arte, do conhecimento?

No próximo ano, 2022, estaremos celebrando os 200 anos  do Grito do Ipiranga. Há um século, em 1922, a independência foi bem celebrada no seu primeiro centenário. Tivemos vários movimentos e iniciativas históricos. Fiquemos com a Semana da Arte Moderna, que mobilizou a Cultura e as Artes e estende os seus desdobramentos aos nossos dias. Podemos dizer hoje, do ponto de vista cultural, que somos um país plenamente independente. 1922 mexeu fundo com as águas da nossa literatura, da nossa música, da nossa pintura, da nossa arquitetura. Mobilizou inteligências e vidas que mergulharam na nossa história, no nosso folclore, na nossa cultura popular e pensaram os nossos desafios, os desafios da educação e do conhecimento.

Vamos pensar e trabalhar para que as comemorações do bicentenário da nossa independência nos façam avançar no desejado encontro do Brasil consigo mesmo.