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Publicado originalmente no jornal Hoje em Dia, em 05/02/2012

Patrus Ananias

A retirada pela força de quase seis mil moradores do assentamento de Pinheirinho, em São José dos Campos, nos impõe algumas reflexões. Primeiro, é preciso reter na memória o drama e o sofrimento das pessoas e das famílias sem ter para onde ir: os seus parcos e modestíssimos objetos jogados na rua, o olhar surpreso, entristecido e encolhido das crianças. Tratava-se de uma ocupação de pelo menos oito anos. Tudo isso nos remete ao debate sobre quais são os direitos fundamentais.

Sabemos que o direito de propriedade – sobretudo quando se torna no direito à propriedade, ou seja, assegurado a todos – é uma conquista civilizatória ligada à auto estima e ao desenvolvimento das pessoas. Ocorre que o direito de propriedade, ou mesmo direito à propriedade, deve estar subordinado às exigências superiores do direito à vida e do bem comum.

A construção histórica e jurídica dos direitos relativos à propriedade foi acompanhada pelo desenvolvimento da ideia da sua função social. Esse conceito, muito caro à tradição cristã, está nas constituições brasileiras desde 1934. Nunca foi efetivamente aplicado. Entre nós, o direito de propriedade ainda é visto como sagrado e intocável. Nas minhas aulas de Introdução ao Estudo do Direito, sempre comento com meus alunos: teoricamente o direito mais importante, em torno do qual a sociedade deve se coesionar e expandir as suas possibilidades convivenciais, é o direito à vida. Este, por sua vez, não é uma abstração. Requer cuidados e políticas públicas efetivas voltadas para alimentação, renda básica de cidadania, moradia, trabalho digno, saneamento básico, saúde, educação… Mas, na prática, o direito que prevalece sobre todos, solidamente amparado nas tradições milenares do direito civil, é o direito de propriedade.

Quando há uma ocupação de terreno público ou privado, rural ou urbano, o enfoque é quase sempre sobre ação pretensamente ilegal dos ocupantes. Não se discute de onde vieram aquelas pessoas, se têm para onde ir, se a área cumpre ou não a sua função social ou mesmo se ela se destina a interesses meramente especulativos. A questão é vista, na grande maioria das vezes, na perspectiva maniqueísta, enviesada, de um lado só. Falta-lhe exatamente o olhar social. Para muitos, a questão social ainda é uma questão de polícia e não de políticas públicas.

Temos em Belo Horizonte algumas áreas de ocupação por famílias pobres, como Dandara, por exemplo. É importante, em nome da dignidade humana, que essas questões sejam resolvidas por mediações e acertos políticos, buscando sempre o primado do direito à vida, que exige a prática do direito social. Com os problemas sociais e ambientais que o Brasil e o planeta enfrentam, não se admite mais propriedade especulativas e que não cumpram a sua função social de acordo com as exigências da Constituição da República.