O deputado Patrus Ananias (PT-MG) apresentou projeto de lei 2350/2019, no qual propõe a inscrição do nome de Marechal Rondon no Livro dos Heróis da Pátria, arquivado no Panteão da Liberdade e da Democracia, em Brasília.
O deputado justificou o projeto destacando as relações de respeito e de diálogo de Rondon com as tribos indígenas nas suas atividades em torno das pesquisas e das linhas telegráficas, que levaram à criação do Serviço de Proteção aos Índios.
Abaixo, texto escrito pelo deputado Patrus.
JUSTIFICAÇÃO
Cândido Mariano da Silva Rondon (1865-1958), ou Marechal Rondon como é bem conhecido, merece ser inscrito no Livro dos Heróis da Pátria pelos trabalhos notáveis que desenvolveu a serviço da pátria brasileira em várias frentes. Duas delas se destacaram.
Cabe salientar, inicialmente, nesta justificativa que Cândido Mariano da Silva Rondon era um apaixonado pelo Brasil. O amor de Rondon à pátria brasileira traduzia em palavras, gestos e obras.
Nas suas andanças pelos sertões brasileiros ainda não conhecidos Rondon levava os símbolos da pátria. Nas palavras de uma de seus biógrafos, Todd A. Diacon: “Em plena selva, tão longe do Rio de Janeiro, ordenou que o Hino Nacional fosse tocado em um gramofone levado até lá exclusivamente com essa finalidade (…) o Hino Nacional anunciava sonoramente que aquelas terras e o povo que as habitava eram agora tão “brasileiros” quanto quem vivia nas cidades. A bandeira brasileira adejava no alto de um mastro comprido cravado no meio da selva, reforçando as lições sobre a importância de construir a nação que eram aprendidas sob ela” (Rondon – o Marechal da floresta. Tradução Laura Teixeira Motta; coordenação Elio Gaspari e Lilia M. Schwarcz – Sâo Paulo: Companhia das Letras, 2006.)
O compromisso do Marechal Rondon com o Brasil manifestou-se com maior força e visibilidade nos trinta anos que passou em Mato Grosso, seu estado natal, e em territórios da Amazônia – lembrando a homenagem que lhe foi prestada no estado de Rondônia! – construindo linhas telegráficas, a partir de 1890, que visavam integrar o nosso País. Supervisionou a linha telegráfica de 580 quilômetros ligando Cuiabá a uma estação no oeste de Goiás. Posteriormente os trabalhos de ligação Cuiabá-Corumbá. A partir de 1900 vieram desafios mais amplos: foram aproximadamente 1800 quilômetros de linhas telegráficas, 350 quilômetros através do Pantanal e outros 240 através de florestas. A partir de 1907 as linhas telegráficas sob supervisão e o comando diretos de Rondon transcendem os territórios matogrossenses e chegam à bacia amazônica nos territórios do Amazonas, do Acre, do Alto Purus e do Alto Juruá onde situa-se atualmente o estado de Rondônia.
Às atividades de integração nacional através das linhas telegráficas que eram essenciais na época, Rondon desenvolvia explorações para conhecimento de territórios e atividades de cartografia para melhores informações sobre as diferentes realidades do imenso e fascinante continente nacional brasileiro.
Outra contribuição notável do Marechal Rondon ao nosso país foi a sua relação amorosa com os indígenas. Assim como Jerônimo de Albuquerque que no alvorecer da história brasileira, era neto de índia e “disse tinha orgulho e fazia alarde”, Rondon era descendente de índios terena e bororo. Nas suas caminhadas Brasil adentro, Rondon alertava seus comandados e acompanhantes sobre as possibilidades de ataques e dava ordens expressas de não revidarem. “Morrer se preciso for, matar nunca” era o sentimento e a ordem manifesta na relação com os índios. Ordem que se aplicava ao próprio comandante. A relação respeitosa de Rondon com os indígenas se traduzia concretamente no respeito à vida, à integridade física e emocional, a cultura e práticas existenciais, convivenciais e de relação com a natureza.
As relações de respeito e de diálogo do Marechal Rondon com as tribos indígenas nas suas atividades em torno das pesquisas e das linhas telegráficas levaram à criação do Serviço de Proteção aos Índios. Tornou-se o primeiro diretor deste serviço em 14 de março de 1910, enfatizando a necessidade de “proteção dos indígenas contra ataques, o direito dos índios ao título de posse das terras que ocupavam e a necessidade de restituir terras já usurpadas pelos brancos”. Rondon reiterou o compromisso de “manter-se o mais escrupuloso respeito pela organização interna das diversas tribos, não intervindo para alterá-lo senão com brandura e fraternalmente, sem forçar nem enganar, sempre, portanto, consultando a vontade deles”.
Nos seus esforços, sempre pacíficos, de estabelecer relações com os índios nambikwara, Rondon aprendeu a língua nambikwara.
Nas palavras do já citado biógrafo de Rondon: “ A invenção e a reinvenção de Cândido Mariano da Silva Rondon continuará a acompanhar a invenção e a reinvenção da nação brasileira”.
Em 1912, o antropólogo e escritor Edgard Roquette – Pinto que por muitos anos dirigiu o Museu Nacional, esteve no norte de Mato Grosso e testemunhou o legado de Rondon: “Em relação à dedicação de Rondon aos indígenas do Brasil, Roquette-Pinto não deixou de lembrar a importância do contato que este vinha realizando com a população do interior, possibilitando a coleta de materiais etnográficos e o conhecimento de diferentes grupos indígenas (…). A influência do tenente-coronel Cândido Rondon sobre Roquette-Pinto seria, sem dúvida, decisiva tanto no seu modo de conceber a realidade do interior do Brasil quanto no tratamento dispensado aos grupos indígenas e a população sertaneja (…). Além de construção das linhas telegráficas, a Comissão Rondon também tinha como objetivo realizar, por meio de experiências científicas, o reconhecimento hidrográfico e topográfico da região, o estudo das riquezas minerais, a observação da fauna e da flora, a descrição das condições de vida e o conhecimento das línguas e dos costumes das populações indígenas e sertanejas (…) A conquista geográfica e todo o empreendimento levado a cabo pela Comissão Rondon só seria comparável à “ciclópica” realização do canal do Panamá …” (Vanderlei Sebastião de Souza; Em busca do Brasil – Edgard Roquette-Pinto e o retrato antropológico brasileiro (1905-1935). Rio de Janeiro: FGV Editora e Editora Fiocruz, 2017).
A vida do Marechal Cândido Mariano da Silva Rondon expressa muito bem a capacidade do povo brasileiro de buscar a plena afirmação do projeto nacional através da integração do território nacional, do desenvolvimento integral, integrado e sustentável, respeitando a identidade, a cultura e os valores dos que formaram a nacionalidade e que nos precederam nestas generosas terras brasileiras.
Assim, nobres pares promover a inscrição de Cândido Mariano da Silva Rondon no Livro dos Heróis da Pátria é um reconhecimento à extraordinária contribuição deste brasileiro notável ao nosso país e à nossa identidade histórica e cultural. Rondon foi um militar qualificado, corajoso, com profundos sentimentos patrióticos e nacionalistas, que ousou usar, com destemor, as armas da justiça e da não-violência.
Assim, espero contar com o apoio de Vossas Excelências para que o Marechal Rondon tenha o lugar que merece no coração e na memória do povo brasileiro.
Sala das Sessões, em 16 de abril de 2019.
PATRUS ANANIAS
Deputado Federal
PT/MG