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Patrus Ananias

Muitos podem perguntar o que tem a ver o futebol com a democracia? O senso comum trata de rotular: além da religião, futebol e política não se discute. Pois penso que são assuntos de nosso interesse e abertos ao debate, sim. A boa e profícua discussão que busca estabelecer e recuperar espaços de aperfeiçoamento. A recente morte do doutor Sócrates nos fez relembrar da bela experiência da Democracia Corintiana. O fato de não ter sido ampliada a experiência é antes uma constatação que nos deve levar à reflexão em torno das vantagens desse encontro entre esporte e política ou, como estamos tratando aqui especificamente, do futebol e da democracia. Principalmente quando nos damos conta do que a falta desse encontro tem subtraído ao esporte brasileiro.

Talvez, fora dos momentos de comoção nacional ou das grandes mobilizações cívicas e religiosas, seja o futebol o evento que mais mobiliza sentimentos e emoções no Brasil. Nos estádios e nos campinhos modestos do interior e da periferia, nas imagens da televisão acompanhadas com olhos atentos e apaixonados, nos ouvidos colados ao rádio para seguir os lances reais ou imaginados pelos locutores (ah! Que saudades dos locutores da minha infância: Oduvaldo Cozzi, Jorge Curi, Fiori Gigliote) a paixão pelo futebol se explicita como uma das realidades mais presentes da vida brasileira. Mobiliza corações e mentes.

Mas ainda não mobilizou torcedores e dirigentes para levar a democracia aos clubes. O futebol continua sendo um dos espaços mais impermeáveis à prática da democracia e da solidariedade, insistindo em uma fórmula completamente oposta à sua dimensão original de esporte coletivo. Se temos jogadores muito bem remunerados, a grande maioria são atletas de temporada e vivem grandes dificuldades. Muitos craques do passado estão na penúria. Essas situações de insegurança e carência não são objeto de reflexões e medidas de proteção.

Por outro lado, as torcidas, com uma ou outra possível exceção em alguns aspectos, recebem por parte dos clubes um tratamento manipulatório que estimula o infantilismo e manifestações de violências. A razão de ser de um time de futebol é a sua torcida. Verdade que estão surgindo os chamados clubes-empresa, com a única finalidade do lucro. Não acredito que prosperem. Os grandes clubes que fazem a história do futebol brasileiro se constituíram junto com as suas torcidas. Mas os clubes foram apropriados por uma estrita minoria de dirigentes, conselheiros, sócios que, parecem querer ignorar essa trajetória. A grande massa dos torcedores, especialmente os mais pobres, não recebe dos clubes nenhum reconhecimento. São alijados dos processos de escolha dos dirigentes e outras decisões; sequer são devidamente informados. A transparência e a prestação de contas estão ainda longe de se tornarem práticas usuais. As torcidas continuam sendo verdadeiras massas de manobra. Não têm direitos e não participam da vida do clube.

A Copa do Mundo de 2014 no Brasil seria um bom momento para começarmos a mudar esse quadro de exclusão e autoritarismo e darmos ao torcedor brasileiro o tratamento que ele merece. Seria bom que ele se tornasse, cada vez mais, um torcedor democrático e cidadão, com a crescente superação das práticas de violência e intolerância, recuperando o futebol como festa popular, celebração da vida e da alegria.

O esplêndido time do Barcelona está retomando uma velha lição: o futebol é sobretudo o esporte, por que não dizer a arte, da solidariedade. Sozinho ninguém joga e prevalece uma exigência de companheirismo que transcende e integra os jogadores. Sem torcida não há time que resista ao tempo. A torcida é a alma, a vibração do time. Para repor o futebol brasileiro no seu devido lugar é fundamental romper os esquemas fechados de poder e dar vez e voz aos torcedores. É hora de implantar o orçamento participativo no futebol.