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Róridan Duarte

Prosseguindo na reflexão do último post, acerca das críticas à utilização exclusiva do PIB como critério de mensuração de riqueza de uma nação, abordarei hoje uma das alternativas que vem sendo apresentadas por aqueles que lidam com a questão: o conceito de FNB – Felicidade Nacional Bruta (GNH na sigla em inglês).

Um dos grandes defensores do novo conceito – e com autoridade para propor sua adoção – é o economista Jeffrey Sachs, especialista em desenvolvimento, políticas de redução da pobreza e, atualmente, conselheiro da ONU. Um de seus grandes trabalhos é o livro “O Fim da Pobreza”, de 2005, que interage com um dos projetos que ajudou a desenvolver nas Nações Unidas, os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM).

O cerne da distinção entre os conceitos de PIB e FNB está na diferença de ênfase que se dá ao crescimento econômico a qualquer custo, no primeiro caso, e ao desenvolvimento, no segundo – aí incluídos o desenvolvimento econômico, social, ambiental, humano, tecnológico etc.

Ou, em outras palavras, trata-se de mobilizar um país para que se questione: qual o verdadeiro objetivo de nosso desenvolvimento? Mais dinheiro, mais produção, mais “valor agregado”, quaisquer que sejam os efeitos colaterais na busca daqueles objetivos? Ou, de forma mais simples e objetiva, o bem-estar do ser humano e, assim, sua felicidade?

Se analisarmos essa dicotomia sob a ótica da simples “medição”, talvez não apreendamos toda a riqueza do debate. Pois não se trata apenas de trocar uma “técnica” de mensuração por outra; a questão vai muito além. Essa pretendida mudança – ainda quimérica – levaria a uma radical transformação de como se organizam os governos, de como se estabelecem metas nacionais e como se estruturam políticas públicas.

Assim, se uma sociedade passa a adotar a FNB, dentro de suas metas certamente estariam metas parciais referentes a, por exemplo, redução da mortalidade infantil, elevação da escolaridade, redução do desmatamento, aumento da proporção de combustíveis limpos na matriz energética nacional, crescimento do número de patentes científico-tecnológicas etc. etc.

E essas metas substituiriam a simples – e tão caótica! – busca de crescer a 5% ao ano o Produto Interno, por exemplo. E redirecionariam boa parte do orçamento público; e conformariam uma nova política tributária, que daria incentivos não aos setores que podem produzir e vender mais, mas seria uma política articulada com os objetivos mais amplos da FNB, estimulando setores que contribuiriam para o alcance daquelas outras metas acima citadas.

Sabemos que a tarefa não é fácil! Tanto pela dificuldade de substituir um sistema já implantando em todo o mundo há quase sete décadas – e, na verdade, não há necessidade de se abandonar o cálculo do PIB – quanto pela hercúlea tarefa de se criar um sistema unificado, objetivo, replicável em todas as nações, sejam ricas ou pobres, para o cálculo da Felicidade Nacional Bruta.

Um bom começo, a nosso ver, seria a aprovação do conceito e da ideia em fóruns internacionais – a exemplo da Rio+20 – e a demanda à ONU de desenvolvê-lo, com  a tarefa de torná-lo algo concreto, objetivo, mensurável. Uma comissão de alto nível, com especialistas de diversas áreas do conhecimento, poderia ser designada pelas Nações Unidas para trabalhar a questão e ir paulatinamente implantando nos países que se candidatassem a tal mister.

Entretanto, a revisão do PIB como indicador já estava em pauta desde a Rio-92. À época, propostas surgiram, mas poucas foram desenvolvidas e testadas na prática, e quase nenhuma adotada internacionalmente.

Bem, enquanto isso não ocorre, temos nos dias atuais apenas um singelo e isolado exemplo no mundo de um país que adote a FNB: o Reino do Butão, na Ásia (http://www.grossnationalhappiness.com/). Sua apresentação: “A essência da filosofia da Felicidade Nacional Bruta é a paz e a felicidade de nosso povo e a segurança e sustentabilidade da nação”. Para Sachs, “é extraordinário que um país tenha parado e dito: vamos pensar no real objetivo do nosso desenvolvimento; não é dinheiro, é o bem-estar do ser humano, vamos pensar em como maximizar a Felicidade Nacional Bruta. Mas o Butão está sozinho…”.

Outra medida alternativa ao PIB que ganha força, por ser uma medida de desenvolvimento sustentável e por já ser adotada pela ONU é o Índice de Riqueza Inclusiva (IRI), que grosso modo seria um meio termo entre o PIB e a FIB, e já calculado para 20 países, dentre eles o Brasil.

E o que seria, nesse conceito, desenvolvimento sustentável? Desenvolvimento Sustentável é o ritmo de crescimento do índice de riqueza inclusiva. Ou seja, se o IRI mensura situações positivas para a nação e seu povo, aí sim, quanto maior seu ritmo de crescimento, melhor; e mais sustentável é o desenvolvimento daquele país. Em outras palavras, o IRI permite uma análise de “fluxo”, e não apenas de “estoque”.

Sua metodologia combina a mensuração de três capitais: capital produtivo, capital humano e capital natural/ambiental. O primeiro equivale ao PIB; o segundo considera dados de saúde, educação, emprego; e o capital natural avalia os recursos energéticos, agrícolas, florestais, minerais, aquícolas etc.

Na Rio+20 foi apresentado o último resultado do IRI, que colocou a China em primeiro lugar, seguida por Alemanha e França. O Brasil é o 5º colocado – melhor, portanto, que no critério isolado do PIB, onde é o 6º – mas, na América Latina, ficamos atrás do Chile.

Bem, com tudo isso o que queremos mostrar é que já existe a crítica e já surgem alternativas. E, mais importante do que produzir estatísticas, é fundamental que a sociedade entenda que não se trata apenas de modismos ou discussões de novos conceitos. O que resultar dessa discussão, ainda incipiente, poderá afetar fortemente a forma como as sociedades encaram seu destino, como enxergam o que já fizeram, como os governos se estruturam e em função de quê, quais metas perseguem, como devem ser avaliados, e assim por diante.

Enquanto isso, Sachs conseguiu, na Rio+20, que um acordo concreto saísse: após o fim dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, em 2015, serão implementados os ODS – Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Agora o próximo passo é estabelecer esses objetivos. Na opinião do economista, eles deveriam se centrar em quatro pilares: 1) concluir a erradicação da pobreza extrema, 2) sustentabilidade ambiental (energia de baixo carbono, segurança alimentar e urbanização), 3) inclusão e igualdade social (envolvendo parâmetros regionais, de gênero, de pobreza e de minorias), e 4) boa governança.

Para ele, os Objetivos são importantes na medida em que complementam os tratados internacionais. Os tratados, em sua opinião, “são para os advogados”, e os Objetivos são para a sociedade… O que ele quer dizer é que não importam as firulas jurídico-gramaticais dos tratados e o que as nações fazem para tentar descumpri-los ou burlá-los, o que importa é o estabelecimento de objetivos de fácil entendimento por todos. Por todos os que devem buscar alcançá-los e, sobretudo, cobrar seu alcance!