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Do Jornal O Povo

O sotaque mineiro do PT
Ex-ministro, político influente em Minas Gerais, aponta a área social como grande trunfo do PT para disputa de 2014. Ele critica duramente o senador tucano Aécio Neves, provável candidato da oposição à presidência

Patrus Ananias é um mineiro típico, de fala mansa, pausada, jeitão tranquilo e um sotaque que não deixa dúvida de sua origem. Advogado, 61 anos, ele acumula uma experiência importante na política, já tendo sido vereador e prefeito de Belo Horizonte, deputado federal e ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. É, sem dúvida, a liderança petista mais importante do estado onde nasceu, situação que o transformará em peça-chave para a campanha presidencial de 2014 caso o PSDB confirme a tendência de lançar como candidato o senador mineiro Aécio Neves. “Gostaria de vê-lo disputando para saber o que vai dizer ao País”, resume ele, avaliando que o tucano nada realizou de expressivo nos dois mandatos de governador que exerceu.

Discurso

O petista considera que os dez anos do seu partido no poder mudaram o Brasil e acredita que a política social das gestões Dilma e Lula é o grande trunfo a ser utilizado na campanha de 2014 para garantir mais quatro anos no Palácio do Planalto. O POVO conversou com Patrus Ananias durante passagem dele por Fortaleza, no último dia 6. A seguir, a entrevista na íntegra.

 

O POVO –Na avaliação do senhor, qual o grande erro e o grande acerto do PT após dez anos de poder no País?

Patrus Ananias – O grande acerto dos últimos dez anos, pra mim, foram as políticas sociais. Especialmente as políticas sociais inovadoras implantadas através do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. A política de renda básica de cidadania para os pobres, o Bolsa Família. Nós estamos erradicando efetivamente a fome e a pobreza extrema do Brasil, ao mesmo tempo em que integrando essas duas áreas com as políticas públicas sociais… Milhões de pessoas ascenderam à classe média e outros tantos, mais de 20 milhões, saíram da miséria, da pobreza extrema. Outro dado importante é que houve uma integração entre o social e o econômico, quando, historicamente, sempre se procurou separar, como se políticas de inclusão social, de distribuição de renda, fossem incompatíveis com o crescimento econômico. Quanto aos desafios, colocaria dois em planos mais evidentes. Primeiro, o desafio da violência, precisamos criar no Brasil, com urgência, esta é uma tarefa para o governo federal,os governos estaduais, administrações municipais, para a sociedade civil, para Organizações Não Governamentais realmente comprometidas com o bem comum.

OP – Tradicionalmente, é verdade, o Governo Federal se mantém distante do debate sobre a violência não é?
Patrus – É, tem que ser uma ação de todos. Não é para ir atrás de culpados, parecendo necessário confrontar a violência em três níveis.O primeiro deles diz respeito à violência social, muito presente no Brasil, com muita força, através da miséria e da fome. Esta sim, no País, tem sido restringida, felizmente. Porém, temos ainda a história dramática do trânsito, as mortes nas ruas das cidades, especialmente das grandes cidades, e das estradas. Dados de 2010 mostram que mais de 40 mil pessoas morreram em acidentes no Brasil.

OP – Números de guerra.
Patrus – Exatamente, números de guerra. É uma guerra civil brutal não declarada, apenas com os mortos, mas ainda há os feridos e a dor moral das famílias, dos parentes, dos amigos, ou seja,do custo paralelo moral que é impagável.

OP –O PT em dez anos de poder, para o senhor, fez menos no que devia, ou podia, nesse campo das reformas políticas?
Patrus – É um processo, sabe, e considero que o PT deu uma contribuição extraordinária ao processo político brasileiro quando implantou, especialmente nos âmbitos municipais, a ideia do Orçamento Participativo. Nós fizemos em Belo Horizonte, houve a experiência muito rica e interessante de Porto Alegre, e como aconteceu em outras cidades do Brasil. Quando falo em reforma política, o fundamental, para mim, é ampliar os espaços de participação das pessoas, para que elas possam exercer seus direitos e deveres de cidadania. É uma forma de combater a burocracia, de combater a corrupção, o desperdício de dinheiro público e de elevar o nível de consciência das pessoas. O Estado moderno, segundo penso, além de fazer para as pessoas, implementar políticas públicas sociais, melhorar a vida em geral, tem também o dever democrático de elevar o nível de consciência das pessoas, de alargar a visão, o olhar, de todos em relação ao compromisso com o bem comum, recuperar a dimensão comunitária da vida. Nós somos seres interdependentes uns dos outros, vivemos em sociedade, não estamos sozinhos.

OP –O PT, na avaliação do senhor, fez o que estava ao seu alcance no aspecto do combate à corrupção?
Patrus – O governo Lula implementou muitas medidas rigorosas de combate à corrupção. Lembro, por exemplo, sem querer fazer polêmica menor, apenas como resgate histórico, que no final do governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, a Polícia Federal estava à míngua. É só recuperar o noticiário, não tinha gasolina para os carros, não estava pagando contas de telefone em várias unidades do País. Ao chegar, o governo Lula deu uma força extraordinária à Polícia Federal, ampliou os quadros, melhorou as condições de trabalho, melhorou muito as condições salariais, garantiu total independência à instituição. É o mesmo que se pode dizer do Ministério Público, sempre nomeando para o cargo de Procurador Geral da República o primeiro nome da lista que era encaminhada. Houve, ainda, a implantação da Controladoria Geral da União, ou seja, penso que nesse aspecto a contribuição foi muito importante.

OP –Foi suficiente?
Patrus – A história vai julgar. Vejo de maneira muito positiva os avanços que tivemos no governo do presidente Lula e que a presidenta Dilma Rousseff tem mantido. Agora, a questão do combate à corrupção, que penso como grande desafio que temos efetivamente no Brasil, não é algo a se pensar apenas no plano do Governo Federal. Há ainda os Ministérios Públicos estaduais, as Justiças estaduais, as polícias estaduais, além da responsabilidade, claro dos governos municipais, e, insisto, a necessidade de abrir espaço para participação da sociedade como outra forma de combater vigorosamente a corrupção.

OP –O senhor considera eficiente a maneira como o PT tem enfrentando a crise do mensalão, que custou tanto ao partido? Pela condenação de líderes, estragos à sua imagem, prejuízo político…

Patrus – Tudo aquilo que é criado pelo ser humano, consequentemente os partidos políticos, as instituições, os movimentos sociais, expressam essa nossa condição humana. Nada é inteiramente pronto, acabado, estamos sempre vivendo um processo. Penso que esse caso do Mensalão vai ser julgado pela história. Sou advogado, professor de Direito, mas nunca estudei mais a fundo a questão, razão pela qual prefiro não falar sobre o processo, em si. No entanto, leio muitas pessoas, jornalistas, juristas, gente que não é do PT, alguns até já foram críticos do partido em outros momentos, que têm feito críticas duríssimas ao julgamento. Primeiro em relação à sua dimensão teatral, quando sabemos que o Judiciário deve sempre agir de maneira mais serena, sensata, mais discreta. O objetivo de buscar a justiça nem sempre se articula bem com esses espetáculos teatrais, com o ritmo dos meios de comunicação. O segundo aspecto é que o julgamento foi muito apropriado pela imprensa, por veículos de comunicação, e alguns, inclusive, dizem que já houve um pré-julgamento. Ou seja, que a imprensa julgou antes,constrangendo, até, o próprio Supremo Tribunal Federal. Há de se ressaltar, ainda, o momento que se escolheu para o julgamento. Tinha que julgar o mensalão exatamente no período eleitoral? Não estaria embutido nisso um desejo de derrotar o Partido dos Trabalhadores e as forças coligadas conosco? Falo isso porque senti na pele…

OP –O senhor, que foi candidato à prefeitura de Belo Horizonte em 2012, se considera vítima desse processo?
Patrus – Claro, mas é bem verdade que não conseguiram. Com toda essa ação forte da imprensa, com o julgamento acontecendo em pleno processo eleitoral, o PT foi o mais votado no plano nacional e em Minas Gerais, meu estado. Penso que tudo isso, a questão do uso da teoria do domínio do fato, está sendo muito discutido entre notáveis criminalistas, quer dizer, a história ainda vai julgar o julgamento do mensalão. Tudo indica que houve uma prática do PT que nós precisamos superar, realmente, mas é uma prática impregnada na política nacional, do tal do caixa dois.

OP –Há, em qualquer circunstância, um arranhão claro à imagem do partido. O senhor, que ajudou a fundar o PT, é figura nacional, viveu experiências como candidato, parlamentar federal, prefeito de Belo Horizonte, ministro, sem enfrentar qualquer acusação relacionada a corrupção ou malfeito de qualquer espécie, não se sente incomodado? A tese de que o PT precisa passar por uma refundação ou coisa radical semelhante, não o atrai?
Patrus – Penso que, realmente, precisamos buscar uma linhade compromisso histórico com a ética.

OP –O que o partido fez para cortar na própria carne diante da situação é suficiente?
Patrus – Acho que estamos vivendo um processo. Não há como descontextualizar o PT da ação dos nossos adversários, da ação do próprio Supremo Tribunal Federal. O que estou convencido é de que precisamos mudar algumas regras políticas, começando pelo processo eleitoral. Antes de uma reforma política, precisamos com urgência no Brasil de uma legislação eleitoral mais estável, duradoura, democrática…

OP -Uma crítica que se faz ao PT, a partir de sua chegada ao poder federal, dez anos atrás, é quanto a uma alegada perda de sua base social. Inclusive projetos que pareciam mais fáceis de tocar no âmbito administrativo municipal, como é o caso do Orçamento Participativo, nunca se conseguiu levar ao plano federal. O senhor participa dessa crítica?

Patrus – Em parte, em parte. Primeiro, penso que precisamos analisar e julgar pessoas, instituições, dentre estas instituições os partidos e dentre os partidos o Partido dos Trabalhadores, de uma maneira geral, global. Não se pode julgar por um momento, uma situação. O PT está fazendo 33 anos de existência e, penso, do ponto de vista do projeto nacional, do ponto de vista do povo brasileiro, o saldo é muito positivo. Muito positivo. O Brasil mudou muito nesse período e, em grande parte, com a nossa contribuição. Há as políticas públicas sociais que começamos nos municípios até chegarmos ao governo do presidente Lula, que mudou o Brasil! Acabar com a fome, com a desnutrição, cuidar das crianças, promover a vida, também é uma questão ética. É uma questão fundamental, abrir os espaços de cidadania para os pobres. O saldo é amplamente positivo. Agora, nós fazemos parte da condição humana e cometemos erros, sim. É preciso ter autocrítica, fazer um saudável exame de consciência, ouvir e acolher as críticas que vêm de fora. O saldo é que não podemos perder de vista.

OP –A verdade, porém, é que o episódio do mensalão termina sendo utilizado, por muitos, como o grande símbolo dos 10 anos de poder do PT.
Patrus – Os nossos adversários. Nós sabemos que a maior oposição que temos hoje está em setores poderosos da grande imprensa brasileira, dos meios de comunicação. Veja o próprio caso do julgamento do mensalão. É próprio da ação do poder Judiciário que seja uma coisa mais serena, não é fechada, inacessível, mas que seja algo sereno. No entanto, aquilo lá se transformou em um julgamento orquestrado.

OP –O senhor acha que a população está consciente disso, então?
Patrus – Acho que sim. Você imagine: enfrentamos uma eleição ao mesmo tempo em que o julgamento acontecia, paralelamente. Quem dera, agora, que o Judiciário tenha o mesmo rigor, a mesma agilidade, para julgar todos os casos de corrupção do País, hein? Quem dera. Esta o poder Judiciário está nos devendo, especialmente o Supremo Tribunal Federal.

OP –É exequível, para o senhor, o anunciado fim da extrema pobreza no Brasil, como pretende a presidente Dilma Rousseff?
Patrus – Acho importante quando você coloca metas, assume compromissos com a sociedade, possibilitando a ela, inclusive, especialmente os beneficiários das políticas públicas sociais, que cobre depois. Mesmo que eventualmente se atrase um mês, dois meses, três, o importante é que se está sempre buscando cumprir aquela meta. Quando a meta é colocada de uma forma séria, transparente, responsável, como fez a presidente Dilma, embasada em conquistas que nós já tivemos, inclusive. Queira Deus que tenhamos metas cada vez mais ousadas.

OP –O senhor considera injusta a crítica, comumente feita, de que o grande problema das políticas sociais brasileiras é a falta de uma porta de saída?
Patrus – A questão é saber o que se quer com as políticas sociais. Como primeiro aspecto, constata-se que os resultados são muito positivos, o Brasil mudou.

OP – Não está faltando um foco mais claro nas pessoas que saem, ou podem sair, dos programas sociais?
Patrus – O programa trabalha sim, vem trabalhando, com ações no campo da inclusão produtiva, da capacitação profissional, e centenas de milhares saíram por terem conseguido melhores condições de vida. O que acontece é que precisamos olhar a realidade brasileira e, na verdade, por mais que tenhamos avançado bastante nos últimos dez anos, a dívida social é muito alta. Você pega o Censo de 2010 e lá encontramos 10% da população brasileira, ainda, analfabeta. São quase 20 milhões de pessoas! Imagine numa época de alto desenvolvimento tecnológico alguém que nunca sentou numa escola,sem acesso aos conhecimentos básicos, está excluída do mercado de trabalho. A menos que tenha um talento extraordinário. É preciso cuidar dessa pessoa, dessas famílias, ou seja, há um lado das ações que atende uma parte da população historicamente fragilizada, comunidades indígenas, quilombolas. Tem é que ampliar as portas de entradas.

OP –Em Belo Horizonte, assim como aqui em Fortaleza, deu-se o rompimento da aliança entre PT e PSB. Fala-se muito, agora, que o PSB tende a partir para um projeto próprio nas eleições nacionais de 2014 com a possível candidatura de Eduardo Campos à presidência da República. Como o senhor vê a perspectiva?
Patrus – O PSB é um aliado histórico nosso. Lembro, por exemplo, que quando fui candidato à prefeitura de Belo Horizonte pela primeira vez em 1992, meu vice Célio de Castro, uma pessoa extraordinária, pertencia ao partido na época. Lá no caso de Minas, vale ressaltar, o PSB histórico, aquele pessoal ligado ao Célio de Castro, me apoiou. Lá existe um caráter mais complicado, que é a aliança com o PSDB. Aqui tenho ótimos amigos no PSB, o próprio governador Cid (Gomes), o Ciro Gomes foi meu colega no ministério do presidente Lula e tenho ótima relação com ele, o governador Eduardo Campos mesmo, trata-se de um partido do qual somos aliados históricos e nos interessa, do ponto de vista do projeto nacional, de desenvolvimento do Brasil, social, econômico, político, ambiental. Acho que nos interessa essa aliança, mas acho que deve ser uma aliança programática, de conteúdo e o que precisa ficar claro é que nossa linha divisória é com o PSDB. Tenho amigos também dentro do PSDB, quem me conhece sabe que não sou um político sectário. Sou um político de diálogo, mas fiel aos meus valores e princípios. PT e PSDB lideram dois projetos distintos no Brasil, pelo menos desde 1994, quando Fernando Henrique se elegeu presidente pela primeira vez. O PSDB com um projeto mais privatizante, de menor sensibilidade para as políticas públicas sociais, para as questões dos pobres, dos trabalhadores de baixa renda, de uma política externa menos independente e submetida aos interesses dos Estados Unidos. Nós, por outro lado, com uma política externa independente, afirmativa, com vigorosas políticas públicas de inclusão social, com atenção especial para os mais pobres, queremos um Estado democraticamente forte para controlar o mercado, para corrigir distorções e injustiças históricas, então, estabelecida a linha divisória, o PSB terá que fazer a sua escolha. Queremos o PSB ao nosso lado, mas não o PSDB.

OP –O nome que se trabalha dentro do PSDB para disputar a presidência é o do senador Aécio Neves, de Minas Gerais, que o senhor conhece bem…
Patrus – Gostaria de ver mesmo o senador Aécio disputando para saber o que ele vai dizer para o Brasil. O que ele pensa do nosso País, quais as suas propostas, porque em Minas, até hoje, ele vive de um esquema de dominação que montou. Ele não tem nenhuma realização em Minas, nenhuma.

OP –O que ele fez em Minas, então, não credencia sua candidatura?
Patrus – Não. A única coisa que ele fez em Minas foi o Centro Administrativo, uma obra faraônica, desnecessária, embora bonita, desenhada pelo gênio do Oscar Niemeyer. Fora isso, nenhuma política social, porque tudo que há em Minas no campo da política social foi investimento do Governo Federal. Quando sai do Ministério estávamos investindo em Minas cerca de R$ 4 bilhões por ano, com aporte mínimo, participação mínima do governo estadual. O que o senador Aécio Neves tem é o controle forte do Estado, um vigoroso apoio dos meios de comunicação, ele faz um esforço permanente para controlar o poder Judiciário, o Tribunal de Justiça, o TRE, o próprio Ministério Público, Tribunal de Contas, Assembleia.

OP –Seria o candidato ideal para o PT, portanto.
Patrus – Não sei se o adversário ideal, mas, com certeza, é o adversário que melhor traduz o ideário do PSDB. Só defende medidas privatizantes, não tem nenhum projeto estratégico de políticas públicas para um Estado democraticamente forte. Então seria uma disputa interessante (contra Dilma Rousseff, do PT) porque as posições, as diferenças entre elas, ficariam bem claras.

OP -E com relação ao PT, já que existem informações de que correntes internas trabalham pela volta do ex-presidente Lula?
Patrus – Sobre isso, fico com a opinião do presidente Lula que declarou que dentro de um contexto normal a presidente Dilma deve ser candidata à reeleição. Concordo com ele.