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Despacho do ministro Ricardo Salles, do Meio Ambiente, põe em risco o que resta da Mata Atlântica, cerca de 12% da cobertura original

Foto: Cláudia Renata Madella - Auricchio
Foto: Cláudia Renata Madella – Auricchio

O Projeto de Decreto Legislativo 155 (PDL), apresentado pelo deputado Patrus Ananias à mesa da Câmara dos Deputados (17.04), suspende o despacho do ministro Ricardo Salles, do Meio Ambiente, que determina, a partir de 6 de abril deste ano, que os desmatamentos irregulares feitos na Mata Atlântica até 2008 serão anistiados e considerados como área rural consolidada. O ato administrativo reconhece as propriedades rurais instaladas em áreas protegidas na Mata Atlântica, em detrimento da Lei da Mata Atlântica.

A decisão do ministro Ricardo Salles abriu caminho para a suspensão de processos, multas e embargos de desmatamentos ilegais ocorridos nessas propriedades, o que significa que o Ibama, ICMBio e Instituto de Pesquisas Jardim Botânico, órgãos do Ministério do Meio Ambiente (MMA), deixarão de exigir a recuperação dessas áreas desmatadas na Mata Atlântica. O despacho tem origem em consulta da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), que defende os interesses do agronegócio.

Entre 1995 e 2008, mais de 720 mil hectares foram desmatados no bioma, de acordo com a Fundação SOS Mata Atlântica, o que mostra a dimensão da flexibilização do governo com a recuperação da Mata Atlântica. Para se ter uma ideia, a área desmatada equivale a 720 mil campos de futebol.

O PDL, de autoria dos deputados Patrus Ananias (PT-MG) e Nilto Tatto (PT-SP), sustenta que a medida do governo é inconstitucional, fere o princípio de proibição de retrocesso ambiental e colide com a hierarquia do ordenamento jurídico do país, na qual prevalece a Lei da Mata Atlântica (Lei 11.428/2006), que regula a ocupação e uso das Áreas de Proteção Permanente (APPs), que pelo despacho do governo passa a ser preterida em favor da Lei 12.651/2012, a nova Lei Florestal.

Os parlamentares destacam que o despacho do ministro Ricardo Salles ataca o parlamento na medida em que pretende, com um mero ato administrativo, interditar a Lei da Mata Atlântica, democraticamente aprovada pelo Congresso Nacional. “O ministro Salles se vale de um rodeio jurídico para afrontar um dos mais importantes marcos legais de proteção dos biomas do país, operando literalmente contra o patrimônio que está sob a tutela da sua pasta. Além de oportunismo, em função do cargo momentâneo que ocupa, o ministro extrapola formalmente suas competências em mais um ato de ataque às conquistas socioambientais da sociedade brasileira plasmadas no ordenamento jurídico do país”.

Concluem que o PDL apresentado “está sintonizado não apenas com a ordem jurídica vigente, mas também com a expectativa majoritária da sociedade brasileira de não permitir retrocessos de direitos conquistados, notadamente os direitos socioambientais”.

O reconhecido especialista em direito ambiental, professor da Universidade de Limoges (França), Michel Prieur, que participou de debate no Senado Federal, em 2012, sobre a proibição do retrocesso ambiental, comentou sobre o despacho do ministro Salles. “É, indubitavelmente, um ato de regressão normativa cujo reflexo empírico sobre o meio ambiente resulta em permissividade ao crime ambiental, quando não incentivo (ao crime)”.

Ele continua: “A regressão do Direito Ambiental será sempre insidiosa e discreta, para que passe despercebida. A diferença aqui é que não há dissimulação e discrição de propósitos, haja vista a notória subordinação do ministro Ricardo Salles aos interesses tidos como superiores à proteção ambiental”, alerta Prieur. A manifestação do professor Prieur foi registrada na justificativa do PDL apresentado pelos parlamentares.

 

Dia Nacional da Mata Atlântica

Hoje, 27 de maio, é o Dia Nacional da Mata Atlântica. É uma referência a 27 de maio de 1560, data em que o Padre Anchieta assinou a Carta de São Vicente, documento no qual descreveu, pela primeira vez, a biodiversidade das florestas tropicais nas Américas. Após 14 anos de luta pela aprovação da Lei da Mata Atlântica (Lei 11.428/2006), que protege o bioma, o Brasil tem pouco a comemorar.

Apesar da Constituição da República reconhecer a Mata Atlântica como “patrimônio nacional” e, portanto objeto de políticas de preservação e proteção, desde o início do desgoverno Bolsonaro as investidas e ataques às reservas florestais, sejam áreas de preservação, como parques, reservas extrativistas, territórios indígenas e quilombolas, deixam claro que a intenção é derrubar as florestas e retirar os direitos dos povos tradicionais, que preservam o bioma. 

Originalmente, o bioma ocupava mais de 1,3 milhões de km2 em 17 estados do território brasileiro, estendendo-se por grande parte da costa do país. Mesmo assim, estima-se que existam na Mata Atlântica cerca de 20 mil espécies vegetais (35% das espécies existentes no Brasil, aproximadamente), incluindo diversas espécies endêmicas e ameaçadas de extinção.

Essa riqueza é maior que a de alguns continentes, como da América do Norte, que conta com 17 mil espécies vegetais e Europa, com 12,5 mil. Esse é um dos motivos que torna a Mata Atlântica prioritária para a conservação da biodiversidade mundial.

Em relação à fauna, o bioma abriga, aproximadamente, 850 espécies de aves, 370 de anfíbios, 200 de répteis, 270 de mamíferos e 350 de peixes.

Além de ser uma das regiões mais ricas do mundo em biodiversidade, a Mata Atlântica fornece serviços ecossistêmicos essenciais para os 145 milhões de brasileiros que vivem nela. (Informações disponibilizadas pelo professor Michel Prieur, obtidas junto ao MMA).

 

Ações contra a medida do governo

O Ministério Público Federal entrou com ação civil pública (06.05) pedindo a suspensão do despacho do ministro Ricardo Salles. A ação foi também assinada pela Associação Brasileira do Ministério Público do Meio Ambiente (Abrampa) e pela organização não-governamental SOS Mata Atlântica.

“O ato administrativo coloca em risco o que resta da Mata Atlântica no território brasileiro, cerca de 12% da cobertura original”, destacou a Procuradoria em nota.

A Rede de Organizações Não Governamentais da Mata Atlântica (RMA), formada por cerca de 120 entidades, divulgou documento com críticas ao decreto do ministro Ricardo Salles. A RMA considerou o decreto ilegal por ameaçar a Mata Atlântica. “Deixar de exigir a recuperação dessas áreas na Mata Atlântica que sofreram supressão ilegal da vegetação nativa seria um golpe desproporcional e, entendemos como iniciativa ilegal e totalmente incondizente com as obrigações constitucionais”, avaliam as entidades.