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Publicado originalmente no jornal Hoje em Dia, em 29/01/2012

Patrus Ananias

Há sempre uma dificuldade de enquadrar grandes escritores nos gêneros literários. Assim foi com Bartolomeu Campos de Queirós, que nos deixou recentemente. Se o universo infantil marcou a referência de boa parte de sua obra foi também ponto de partida para se expandir na exploração do mundo. Os que procuram um livro infantil, no sentido mais restrito do termo, se assustam com angústias narradas sem concessão em alguns de seus livros. Mas a prosa de Bartolomeu é mais alargada e sai em busca de vários territórios, gerações e estilos. Quer falar com todas as pessoas dotadas de sensibilidade e que indagam o sentido das coisas e da vida. Isso inclui as crianças, que tanto gostam das perguntas.

Suas obras são dotadas da refinada percepção que informa o espírito da infância. Vivem o constante alumbramento diante do espetáculo mutante e permanente do mundo e que constitui a porta de entrada para a filosofia. A obra de Bartolomeu, pelo qual perpassa ora a inquietação, ora a sabedoria filosófica, se dirige a todos que preservam a dimensão menina da vida. Poucos autores conseguiram alcançar essa plenitude literária: construir uma obra absolutamente refinada e que toca os corações e as inteligências das mais diferentes pessoas, transcendendo idades, lugares e níveis culturais.

Bartolomeu fundia estilos e gêneros. Punha muita poesia na sua prosa. Fazia uma poesia pedagógica que alfabetiza e educa despertando o gosto pelos encantos métricos, rítmicos e metafóricos da mais sutil e mágica das linguagens. Integra ficção, lembranças e vivências pessoais para escrever uma obra memorialística esplêndida. Os mineiros gostam de contar histórias e estórias, as pessoais e as dos outros. Seguramente demos uma bela contribuição à memorialística brasileira: Pedro Nava e Ciro dos Anjos, Francisco de Paula Ferreira de Resende e Helena Morley. As obras de Guimarães Rosa e Carlos Drummond de Andrade são perpassadas por recordações explícitas ou que expressam as sutilezas do inconsciente. “Ciganos”, “Indez”, “Ler, escrever e fazer conta de cabeça”, “Por parte do pai”, “O olho de vidro de meu avô” e, por último, o inquietante “Vermelho Amargo” se inscrevem no mais elevado memorialismo mineiro que tão bem acolheu e reelaborou o legado de Proust. Sempre a presença do tempo angustiante, aflitivo, passageiro, que nos repõe a morte.

Pedro Nava dizia que contar tudo direitinho como foi é fazer relatório. Bartolomeu pôs as suas memórias no plano da universalidade. Acolhe o conselho de Tolstói e fala de sua aldeia – Papagaios, Bom Destino, Pará de Minas, os territórios mágicos de Minas – para falar ao mundo. A sua obra carece de maior divulgação para melhor contribuir no processo civilizatório de Minas e do Brasil e no nosso diálogo com o mundo.